Manipular e instrumentalizar uma criança contra um dos seus progenitores é uma forma de maus tratos infantis que afetará poderosamente a sua saúde psicológica. A alienação parental começa num “jogo” privado e nem todos conhecem as regras

Portugal é o país da Europa onde se registam mais divórcios e, em cada 100 casamentos, verificam-se 70 pedidos de dissolução legal da união civil. Os dados são de 2016 (INE e PORDATA) e não contemplam os números de separações de uniões de facto, ou de uniões conjugais não tipificadas nesta designação. Os números apenas demonstram que a sociedade contemporânea lida com várias questões que se relacionam com novas realidades familiares e que, como é evidente, envolvem as crianças quando elas existem.

As crianças sofrem irremediavelmente com esta realidade, situação normal e expectável com a experiência de separação dos pais e com as alterações emocionais que tal experiência provoca. Contudo, existem situações em que os filhos se veem envolvidos numa guerra feroz entre os pais e são usados como arma de arremesso e instrumentos de autêntica tortura contra um dos progenitores, obviamente, com consequências muito graves no equilíbrio emocional e no desenvolvimento psicoafetivo.

A ideia de um dos progenitores manipular o seu próprio filho com a intenção de atacar o outro progenitor é difícil de imaginar mas, na verdade, é uma realidade cada vez mais presente em muitos países e Portugal não é exceção. Embora não seja ainda muito estudado, e consequentemente, não devidamente valorizado, o conceito de Alienação Parental define-se pelo facto de um dos pais manipular e instrumentalizar a criança como forma de punição do ex-companheiro, o que a “obriga” a escolher uma das partes do conflito.

A Síndrome de Alienação Parental, situação claramente patológica, é considerada uma forma de maus tratos infantis que afetará poderosamente a saúde psicológica da criança em causa e que não é fácil de sinalizar, já que se passa num “jogo” secreto entre os seus intervenientes. A Alienação Parental verifica-se em processos de separação litigiosa, onde a criança é usada pelo alienador para atingir o outro, estando descritos vários níveis de gravidade, que se vão percorrendo, do ligeiro, passando pelo moderado ao grave:

– no primeiro grau, já se identificam alguns sinais de alarme, embora ainda muito subtis e a criança ainda consegue demonstrar capacidades de individualidade e autonomia, mantendo os vínculos afetivos com ambos os progenitores;

– no segundo grau, os vínculos afetivos com o progenitor alienado vão começando a demonstrar comprometimento, sendo que, em simultâneo, a criança vai fortalecendo, aparentemente, a relação com o alienador. Pode começar a surgir conflito relativo às visitas ao progenitor alienado e à sua família alargada;

– no último nível, a criança vivencia a relação com o progenitor alienado como perigosa, podendo mesmo senti-lo como inimigo e as visitas são agora recusadas pela própria criança, que já não será capaz de se separar da manipulação e reproduz o comportamento de ódio para o qual está a ser treinada. A relação com o alienador torna-se adesiva.

Não havendo estatísticas em Portugal sobre esta questão, os técnicos que trabalham em campo assumem que a tendência é de crescimento, o que se justifica com o aumento do número de separações e com o envolvimento, cada vez maior, dos homens na parentalidade, não abdicando de ser parte integrante da vida dos filhos. Na opinião dos mesmos técnicos, o alienador é, na maior parte das situações, a mãe, já que ainda vivemos uma cultura em que a guarda das crianças lhe é maioritariamente atribuída.

O momento mais grave desta escalada surge nas situações em que a mãe acusa o pai de abuso sexual da criança, momento em que o tribunal decreta a suspensão das visitas, ou as visitas com vigilância, até ao final da investigação. Inicia-se aqui um processo em que as avaliações, as perícias e as audiências se multiplicam. Embora seja este o procedimento necessário e exigido por parte dos tribunais, existe uma sobrecarga dos serviços responsáveis e o tempo alonga-se quase indefinidamente. Na maior parte destas situações, vem a provar-se que o pai é inocente mas a relação já se perdeu…

Quando um dos progenitores se aperceber de sinais, ainda que ténues, que podem indiciar Alienação Parental, como por exemplo, comentários da criança que sejam menos abonatórios a seu respeito e que indiquem, claramente, uma atitude colada a um comportamento do outro progenitor, a postura mais calmante e efetiva a adotar será a de esclarecer que essa é uma opinião do outro progenitor.

Não é desejável recorrer a argumentos contra a opinião do outro que justifiquem o comportamento da criança e, em nenhum momento, se deve usar qualquer estratégia que denigra a sua imagem, antes pelo contrário. A criança deve ser sempre reassegurada que pode amar mãe e pai em simultâneo, não tem que fazer escolhas e que vai ser protegida do conflito que possa surgir entre os dois. Deve também evitar-se sempre o uso de afirmações que impliquem sentimentos negativos em relação ao alienador. O cuidado deve centrar-se na relação com a criança e na preocupação com o seu bem-estar, sublinhando os relacionamentos com a mãe e o pai nos seus aspetos positivos. Pais separados devem fazer um esforço real, por mais difícil que se torne, de separar a conjugalidade da parentalidade, ou seja, devem separar as dinâmicas afetivas inerentes à relação entre pais e filhos, das dinâmicas afetivas características da relação entre os membros do casal.

O ideal será que as separações, por mais complicadas que sejam do ponto de vista da conjugalidade, possam ser geridas de modo a infligir o mínimo de sofrimento nos filhos. Tudo o que diga respeito às crianças deve ser discutido e negociado num ambiente diferente da conflitualidade eventualmente existente. Caso o casal, ou um dos seus membros, perceba que não está a ser capaz de agir deste modo, deve pedir ajuda rapidamente. A certeza de que nenhum progenitor quer fazer mal ao seu filho, leva-nos a crer que as situações onde se manipula uma criança, causando um nível de sofrimento incalculável, com repercussões, muitas vezes, irrecuperáveis na sua saúde, são situações que têm de ser perspetivadas do ponto de vista patológico.

Acreditamos que, mais do que catalogar as atitudes do alienador como perversas, devemos perceber que todos os envolvidos estão em sofrimento e responsabilizar a sociedade na criação de mecanismos que os protejam e permitam reorganizar-se do ponto vista emocional.

Existe ainda muito uma cultura, mais fácil, de clivagem entre os maus e os bons. Não é essa a postura de que partilhamos. Consideramos antes que qualquer pessoa em sofrimento merece ajuda e que uma sociedade responsável deve perceber que a ajuda ao agressor é tão válida e digna como a ajuda às vítimas. Os julgamentos cabem, e bem, à Justiça, claro está, salvaguardando e garantindo o supremo interesse dos menores.

Ana Beatriz Condinho

(psicóloga clínica e psicoterapeuta)

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