Se são olhos que captam as imagens, quem vê verdadeiramente é o cérebro. Sem essa relação especial, entre redes neuronais, nunca conseguiríamos classificar o que vemos. É esta a base da teoria, agora aplicada à dislexia num novo projeto de investigação, que veio demonstrar que uma informação visual confusa pode explicar a disfunção na leitura. Há um novo caminho em aberto

A dislexia é uma disfunção da capacidade específica de leitura, causada por um deficit do processamento cerebral de símbolos gráficos, que acontece num indivíduo de quociente de inteligência normal. Resulta numa dificuldade de aprendizagem secundária à forma como o cérebro descodifica a escrita, sendo caracterizada por dificuldades no reconhecimento das palavras e da capacidade de soletrar.

Os principais sintomas são dificuldades em pronunciar corretamente as palavras, em ler rapidamente, em escrever palavras à mão, em subvocalizar palavras, em pronunciar corretamente palavras, ao ler em voz alta, mas também em compreender aquilo que se está a ler.

A dislexia é uma disfunção neurológica, multifatorial, em que fatores genéticos e ambientais contribuem para níveis de gravidade variáveis e a origem desta disfunção continua a ser uma área de enorme debate. É considerada por muitos como um problema de linguística; para estes, o contributo dos inputs visual, auditivo e intelectual são negligenciáveis.

Contudo, note bem, a dislexia não está associada à inteligência; pessoas com dislexia grave podem ser brilhantes em diferentes áreas do conhecimento. Os seus efeitos variam de pessoa para pessoa e estão dependentes da idade do indivíduo avaliado. O único traço que têm em comum é uma leitura em níveis inferiores ao normal para o seu grupo etário.

Num estudo recente, apresentado por cientistas da Universidade de Rennes, foi feita uma descoberta anatómica na retina de um grupo de indivíduos disléxicos. Na população de controlo normal, o olho dominante (aquele que o cérebro usa para receber imagens) apresenta uma área circular na mácula desprovida de cones azuis; enquanto o olho não dominante apresenta uma área ovoide ou irregular.

Este projeto de investigação demonstrou que, nos indivíduos disléxicos, ambos os olhos apresentavam áreas circulares, o que resultaria numa incapacidade do cérebro identificar o lado dominante e criar uma confusão ou conflito (imagem em espelho) com a informação visual que cada olho envia para o cérebro.

Esta ausência de assimetria poderá ser a base anatómica e biológica da dislexia e poderá contribuir de forma eficaz para o desenvolvimento de novas formas de tratamento desta disfunção neurológica, pelo menos em parte da população de disléxicos. Contudo, as conclusões deste estudo são ainda bastante preliminares; o número de indivíduos testados é insuficiente para uma análise estatística sólida, e alguns aspetos relacionados com diferenças de linguagem e processamento fonológico dos disléxicos não podem ser explicados exclusivamente com fenómenos visuais. Mas, não podemos deixar de pensar que há um novo caminho para desbravar.

A identificação correta e precoce da dislexia são fulcrais para um tratamento e apoio precoces. A abordagem é sempre multidisciplinar, exigindo uma intervenção e correção de fatores de confusão (nomeadamente alterações refrativas como astigmatismos), assim como o envolvimento de família e educadores.

Não existe cura para a dislexia. O tratamento visa criar estratégias compensatórias que minimizem as perturbações que esta disfunção impõe na vida quotidiana. Apesar de representar um desafio diário nos processos de aprendizagem, a grande maioria dos disléxicos atinge padrões de vida produtiva normais.

Eduardo Silva
(Médico Oftalmologista)

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