O primeiro passo para lidarmos adequadamente com as nossas emoções (e também com as dos outros) é, simplesmente, darmos conta delas. Desafiemo-nos, então, a criar e conhecer a nossa mala pessoal e intransmissível de primeiros socorros emocionais

Estamos dentro de um avião que está prestes a descolar. Os comissários de bordo fazem a demonstração cénica habitual sobre como reagir em caso de acidente. Uma regra é enfatizada: quando caírem as máscaras de oxigénio, deveremos sempre colocar primeiro em nós a nossa máscara, antes de ajudarmos qualquer outra pessoa a colocar a sua. Este é um texto sobre sabermos usar as máscaras de oxigénio da nossa vida, antes mesmo de começarmos a tentar resolver problemas. Ou, em linguagem mais psi, sobre como usarmos, com sabedoria, as nossas estratégias de regulação emocional.

Chamamos regulação emocional à capacidade de conhecer, controlar ou modular eficazmente a nossa experiência emocional, de forma a que as nossas ações sejam tendencialmente coerentes com os nossos objetivos de vida, mesmo em situações em que experienciamos emoções desagradáveis intensas. Muitas vezes, podemos encontrar-nos perante emoções fortes que são difíceis de gerir, como raiva, pânico, vergonha, ou tristeza. Se não soubermos lidar com essas emoções, podemos adotar comportamentos impulsivos que frequentemente podem causar problemas, a nós e às pessoas à nossa volta. 

Na verdade, os comportamentos problemáticos são, frequentemente, tentativas ineficazes de solucionar emoções intensamente dolorosas. Somos confrontados, quase diariamente, com situações em que alguém reagiu de forma demasiado emocional, agravando assim (em vez de solucionar) os seus problemas. A televisão mostra-nos, quase diariamente, situações em que treinadores de futebol ficam suspensos de executar as suas funções, depois de terem reagido de forma impulsiva e agressiva com o árbitro, porque não souberam gerir a sua raiva e foram dominados pelas suas emoções.

Por outro lado, por vezes podemos tentar evitar sentir as nossas emoções de forma tão rígida, que passamos a racionalizar e evitar demasiado a nossa experiência emocional, perdendo a conexão connosco mesmo, com o que valorizamos e também com as outras pessoas.

A função das nossas emoções

As nossas emoções são extremamente úteis à nossa vida, e saber fazer uso delas (sem deixar que sejam elas a fazer uso de nós) é importantíssimo para vivermos uma vida com sentido. Por um lado, as nossas emoções dão-nos informação sobre as nossas necessidades e o que achamos que está a acontecer num dado momento. Por exemplo, sentirmos algum medo quando estamos sozinhos, num beco escuro, numa cidade que não conhecemos, faz-nos estar mais alerta a possíveis perigos e podemos usar essa emoção para caminhar mais rápido e de forma mais vigilante. Ou reconhecer que estamos irritados com o nosso companheiro é essencial para conseguirmos identificar que limite está a ser pisado na relação e, assim, poder melhorá-la.

As nossas emoções motivam-nos e preparam-nos para a ação, poupando-nos tempo em muitas situações em que é essencial reagir com rapidez. Por exemplo, se o nosso filho está a ir para a estrada e vemos um carro vir na sua direção, é o medo que nos leva a agarrá-lo rapidamente, garantindo, assim, a sua segurança.

As emoções são também um importante canal de comunicação para que os outros possam entender e satisfazer melhor as nossas necessidades. Mesmo que não nos apercebamos, as nossas emoções refletem-se facilmente na nossa expressão facial ou na postura corporal e isso influencia a forma como as outras pessoas interagem connosco. Por exemplo, se nos permitirmos mostrar a alguém que estamos tristes, poderá acontecer mais facilmente que alguém venha ter connosco para nos confortar ou ajudar.

O filme Inside Out (Divertida-Mente) é exímio na forma como explica às crianças (e também aos adultos) a utilidade de todas as nossas emoções básicas. Nenhuma emoção deve ser, por isso, desconsiderada, e podemos aprender bastante sobre nós, o que queremos e o que precisamos, se estivermos mais atentos a elas.

No entanto, é preciso entendermos que as nossas emoções não são factos reais. Nem sempre que sentimos medo há uma ameaça real, tal como nem sempre que gostamos de alguém, isso é sinal de que a outra pessoa é boa para nós, etc. As nossas emoções são apenas experiências internas, temporárias, tal como as ondas que rebentam na praia, que vêm e vão. Ainda que a cada uma das nossas emoções possa ter associado um impulso para a ação, impulsos e ações não são a mesma coisa.

Emoções poderosas criam impulsos intensos de gritar, praguejar, destruir, fugir, etc. E sentir esses impulsos não é de todo um problema, é parte da nossa natureza humana. Agir a esses impulsos é que, isso sim, pode constituir um problema. Em suma, as nossas emoções não são algo que devamos ignorar, nem combater, mas também não são uma experiência a que nos devemos agarrar demasiado, de forma a que comandem as nossas vidas. Voltando à analogia com as ondas do mar, que não vale a pena combater, ignorar nem deixarmo-nos levar por elas. Talvez seja apenas preciso aprendermos a surfá-las.

Como gerir as nossas emoções intensas

O primeiro passo para lidarmos adequadamente com as nossas emoções (e também com as dos outros) é, simplesmente, darmos conta delas. Prestar atenção, reconhecer e rotular verbalmente a nossa experiência emocional é, só por si, uma forma de a regular. Este reconhecimento implica uma compreensão que deverá ser completamente livre de crítica e julgamento. De facto, sentir uma emoção trata-se de uma experiência humana, completamente válida e útil à nossa sobrevivência, que podemos apenas notar: Por exemplo, dizendo a nós próprios ou a alguém

“Estou a sentir-me irritado”, em vez de tentar distrair-nos da emoção ou acrescentar um julgamento do tipo “Não devia estar a sentir-me irritado, tenho que me acalmar”.

Seguidamente, podemos e devemos observar que efeitos está a ter a emoção no nosso comportamento, de forma a avaliar se a nossa resposta emocional está a agir a favor ou contra os nossos objetivos. Por exemplo, perguntando “A minha experiência emocional está a ajudar-me a resolver o problema ou está, neste momento, a atrapalhar?” “O impulso para a ação que estou a sentir irá aproximar-me ou afastar-me dos meus objetivos?”

Por exemplo, se estamos tão preocupados com um trabalho que temos que entregar, que não estamos a conseguir concentrar-nos e procrastinamos em frente à televisão, claramente a emoção está a ser demasiado intensa e precisamos de a regular primeiro, a fim de que possamos realizar o trabalho. Ou se nos sentimos tão irritados que nos magoamos a nós mesmos ou começamos a gritar e criticar toda a gente, é necessário cuidar primeiro desta irritação, antes de tentar resolver o problema.

Nestes casos em que a emoção não nos está a ajudar, o terceiro passo é, então, pôr imediatamente em prática algumas estratégias de regulação emocional. De nada adianta tentarmos resolver um problema se estamos demasiado ativados emocionalmente. Na verdade, poderemos não conseguir resolver todos os nossos problemas, mas deveremos saber cuidar de todas as nossas emoções.

As estratégias eficazes de regulação emocional são várias e únicas para cada pessoa. Quando a ativação emocional é demasiado intensa, pode ajudar passar a cara por água gelada para acalmar rapidamente, ou fazer um exercício físico intenso durante 10-15 minutos (correr, caminhar rápido, saltar à corda, dançar, chutar uma bola, etc.), ou ainda fazer algumas respirações profundas (a partir do abdómen, em que as expirações são mais longas do que as inspirações) durante dois minutos. Para além disso, poderá haver objetos, atividades ou experiências que ajudem cada pessoa a aproximar-se de um estado de maior calma ou relaxamento. Uma imagem de um lugar favorito, um cheiro particularmente agradável, uma música que adoramos ouvir, um chá que gostamos de saborear, uma textura especial que nos conforta ao tocar, um sítio particular onde gostamos de ir, ou, ainda, uma pessoa ou um animal querido a quem podemos abraçar. 

Cada um terá o seu conjunto de objetos, atividades ou seres especiais que nos conforta. O importante é que sejam identificados de antemão, para que possam integrar aquilo que poderemos chamar do nosso “kit de primeiros socorros emocionais”, a usar sempre que necessário. 

Um dos mitos mais disseminados é que quando estamos realmente emocionados, realmente tristes, extremamente enraivecidos, não conseguimos fazer nada para nos acalmar. Na verdade, nós não somos as nossas emoções, é precisamente nestes momentos intensos que devemos fazer uso das nossas estratégias de regulação emocional. Claro que é mais fácil lembrarmo-nos de ir, por exemplo, passear pela natureza quando estamos bem-dispostos e com tempo livre. O desafio (e a estratégia mais eficaz) é, no entanto, sair para dar um passeio na natureza precisamente quando o que estamos a sentir é tão intenso que só nos apetece ficar na cama.

Assim estaremos, realmente, a cuidar de nós e das nossas emoções, tal como cuidaríamos de um ferimento físico, usando uma mala de primeiros socorros. Desafiemo-nos, então, a criar e conhecer a nossa mala pessoal e intransmissível de primeiros socorros emocionais. O livro “O Monstro das Cores: Doutor das Emoções e a Mala de Regulação Emocional”, editado pela Nuvem de Letras, em novembro de 2023, poderá servir de inspiração para esta tarefa. E claro, ao aprendermos a regularmo-nos a nós próprios, estaremos a dar um passo importante para conseguir ajudar os outros à nossa volta a saberem regular-se também. Vamos a isso?

Sara Martins Leitão
(Psicóloga Clínica)

Deixar um Comentário