A pneumonia por aspiração é uma das consequências diretas de uma má deglutição, com sucessivos episódios de engasgo. Engolir bem exige eficácia e segurança

Quem contacta diariamente com terapeutas da fala sabe que o nome desta categoria profissional pode ser redutor, dada a diversidade de áreas com que trabalha, para além da “fala”. Entre elas está a deglutição que, apesar de parecer distante, estabelece uma relação íntima com o primeiro foco de intervenção. De uma forma simplista, mas compreensiva, a ligação explica-se com base nas estruturas da cabeça e do pescoço, que servem não só para falar, mas também para comer.

De um ponto de vista mais organizado, as ciências que estudam a evolução do ser humano nos níveis biológico, cultural e linguístico têm demonstrado a influência das mudanças da alimentação na aquisição de diferentes sons da fala. Por exemplo, a alteração alimentar gerada pela transição da caça e recoleção para a atividade de cultivo agrícola, que levou o Homem a ingerir alimentos menos duros e exigentes, conduziu à modificação da mordida (“encaixe” entre os dentes superiores e inferiores), permitindo-lhe adquirir novos sons da fala, como o “f” e o “v”.

Por outro lado, já com foco no presente, quando uma criança tem dificuldade em adaptar-se a consistências sólidas e permanece demasiado tempo com uma dieta à base de alimentos moles, é provável que o seu desenvolvimento craniofacial não seja equilibrado o suficiente para permitir a produção precisa de sons que necessitem de maior tónus muscular, como o “r” de “pera”.

Assim, torna-se intuitivo entender que, por exemplo, um doente acometido de um acidente vascular cerebral (AVC) com sequelas na articulação da fala (disartria) possa ter também alterações na eficácia e/ou na segurança da alimentação (disfagia).

A eficácia e a segurança são os dois pontos-chave da deglutição saudável, ou seja, a deglutição (ato de engolir) é a função responsável pelo transporte completo (eficaz) do bolo alimentar, desde a boca até ao esófago, sem comprometer a via aérea (seguro). Desta forma, em pessoas saudáveis, dependendo do volume, consistência, forma e viscosidade dos alimentos, os músculos entre os lábios e o esfíncter esofágico superior vão adaptar-se, sequencialmente, para fazer a sua transferência, sem deixar resíduos dispersos na boca e faringe e sem permitir a entrada de alimento para a via aérea (aspiração). Esta entrada seria o fator desencadeante de tosse, como acontece nos episódios de engasgo – normais, esporadicamente.

Quando os episódios de engasgo se repetem com frequência, é importante perceber a causa desta “invasão” de alimento, que pode precipitar um quadro de infeção respiratória, chamado pneumonia de aspiração. Algumas das doenças com maior risco de disfagia e, consequentemente, de pneumonia de aspiração são o AVC, a doença de Parkinson, a demência e a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), que devem ser precocemente acompanhadas, em equipa multidisciplinar, no sentido de reabilitar ou compensar as competências alteradas.

Por outro lado, o processo natural de envelhecimento (saudável) conduz também a alterações sensoriais e motoras – ligeiras – que aumentam a frequência dos episódios de engasgo (presbifagia) e impõem algumas alterações à dieta. Neste caso, é frequente a pessoa idosa realizar as adaptações gradualmente, por exemplo, cozinhando melhor os alimentos ou evitando alimentos muito duros e fibrosos.

Contudo, pode haver persistência das dificuldades e justificar-se a avaliação, reabilitação e aconselhamento por um terapeuta da fala, de forma a manter a deglutição segura e eficaz a longo prazo. Sabe-se hoje que, também em pessoas em idade avançada (> 80 anos), os músculos da cabeça e do pescoço respondem positivamente a exercícios bem planeados, permitindo melhorar a capacidade funcional da deglutição e diminuir o risco de desnutrição, desidratação e pneumonia.

Em ambos os cenários, de disfagia ou presbifagia, importa considerar ainda o impacto das alterações na qualidade de vida da pessoa, já que é “à volta da mesa” que tantas vezes nos reunimos, de forma mais ou menos familiar, mais ou menos formal, para desfrutar de uma boa refeição, mas, em muitos casos, principalmente da companhia.

Joana Santos,
Terapeuta da Fala

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