Há uma tríade de sintomas: dificuldade no andar, incontinência e demência. As pessoas com mais de 60 anos de idade poderão ser facilmente diagnosticadas simplesmente com demência, quando na verdade existe uma acumulação de líquido, na almofada que protege o cérebro. Perdeu-se a capacidade de reabsorver e será preciso drenar, para aliviar a pressão intracraniana

A acumulação de líquido cefalorraquídeo (LCR) no cérebro – a hidrocefalia – surge na maioria dos doentes com pressão intracraniana significativamente aumentada. Contudo, numa forma em particular – a hidrocefalia de pressão normal (HPN) – a pressão mantém-se dentro de valores normais, podendo estar apenas ocasional ou ligeiramente aumentada. E esta HPN é a forma mais tratável de demência.

A situação é muito rara antes dos 60 anos, afeta mais frequentemente homens e manifesta-se com deterioração da memória e cognição, perturbação da marcha e incontinência urinária. Apesar da acumulação de LCR nas cavidades cerebrais, não existe obstrução significativa à circulação, nem aumento da pressão. A lenta e progressiva distensão das cavidades naturais do cérebro, deve-se à redução da capacidade para reabsorver espontaneamente o LCR. Segue-se a disfunção cerebral que produz um quadro típico de sintomas, e que habitualmente não inclui cefaleia, náusea, vómito e perturbação aguda da consciência, tudo sintomas que são resultantes das restantes formas de hidrocefalia.

Na maior parte dos casos, não se identifica nenhum fator, nem nenhum evento precipitante. Apenas num pequeno subconjunto de casos existe um antecedente de traumatismo crânio encefálico, hemorragia, tumor intracraniano, hemorragia ou infeção que deu lugar à perda de capacidade de reabsorção de LCR. Admite-se que a distensão mecânica do tecido cerebral na vizinhança dos ventrículos tenha o papel fundamental na evolução da patologia.

Porém, a hidrocefalia de pressão normal foi descrita apenas em 1965 e é provável que nas próximas décadas se venha a documentar com mais detalhe o conjunto de processos biológicos que subtendem o desencadear da cascata patológica. 

Presume-se que a reabsorção de LCR é um passo sensível, cuja capacidade máxima é limitada e suscetível a sofrer perdas cumulativas, em consequência de quase qualquer agressão ou inflamação intercorrente – que pode sofrer erosão ao longo da vida e, eventualmente, vir a tornar-se insuficiente numa parte da população.

O conjunto de sintomas é sumarizado na tríade de Hakim:

  • perturbação da marcha, com passos pequenos, com escassa elevação dos pés, por vezes com alargamento da base da marcha e dificuldade na mudança de direção;
  • incontinência urinária, em alguns doentes urgência urinária;
  • demência, incluindo declínio da memória, alguma lentificação, indiferença e prejuízo sucessivo de todas as funções executivas.

O estudo complementar mais informativo é a ressonância magnética (RM). Entre as alterações morfológicas, contam-se o alargamento das cavidades ventriculares, com balonização dos cornos frontais dos ventrículos laterais, alargamento e elevação do teto do terceiro ventrículo e o aumento da velocidade de fluxo no aqueduto cerebral. Pretende-se ainda excluir formalmente a existência de outras patologias, que possam causar parte dos sintomas ou que possam coexistir, limitando crucialmente o prognóstico.

Algum grau de atrofia cerebral ou pequenas lesões isquémicas podem ocorrer em muitos doentes sem significado clínico, mas a presença de atrofia substancial ou lesões isquémicas extensas colocam problemas importantes no diagnóstico e na ponderação do tratamento em muitos doentes.

Os doentes com clínica suspeita e cuja RM é compatível com HPN devem realizar estudo analítico do LCR, que pode ser obtido por punções lombares em dias consecutivos ou através da aplicação de derivação lombar externa. Deve ser evacuado em volume suficiente para confirmar se a espoliação temporária de LCR proporciona ou não alívio temporário dos sintomas e para procurar aferir o potencial do doente para melhorar. Muitos doentes neste segmento etário padecem de outras patologias que podem causar alguns do sintomas ou que podem fixar tetos funcionais rígidos.

Sistema de drenagem

O prognóstico funcional e vital da HPN sem tratamento é mau. O advento do tratamento cirúrgico nas últimas 5 décadas permitiu mudar o futuro de muitos destes doentes através da instalação de um sistema de drenagem alternativo para o LCR.

Na sua forma mais simples, uma drenagem deste tipo é composta por um tubo não colapsável que evacua o excesso de LCR dos ventrículos cerebrais para outra cavidade natural do organismo, contendo uma válvula que impede o retrocesso de LCR. 

Na maioria dos casos, o destino do LCR é a reabsorção na cavidade peritoneal do abdómen. Nos sistemas correntes, o componente mecânico contém uma resistência variável ao fluxo que pode ser ajustada do exterior, bem como um componente anti gravitacional, que visa regularizar o débito apesar da variação postural do doente.

A implantação cirúrgica de um sistema de drenagem é um procedimento cirúrgico pouco agressivo, que tem lugar numa população de pessoas com estado geral fragilizado pela HPN e frequentemente sobrecarregada com outras doenças crónicas. Contudo, em muitos doentes a gravidade da progressão da doença impõe a necessidade de proceder ao tratamento cirúrgico para procurar aliviar a lesão cerebral.

Francisco Cabrita
(Médico, Neurocirurgião)

Deixar um Comentário