São os hábitos ou as características individuais que potenciam a capacidade da prática do exercício físico para lá dos 60 e 70 anos? Pode ser um misto das duas, mas certo mesmo é que os efeitos chegam ao cérebro

É cada vez mais comum encontrar homens e mulheres com idades mais avançadas em recintos destinados à prática do exercício físico. Mesmo em competições públicas de corrida, trail, btt e bicicleta de estrada, encontram-se participantes com idades acima dos 70 anos. Inclusivamente nas provas com distâncias mais longas.

O que lança a inevitável questão: será que mantêm a atividade física por possuírem características que os distinguem dos cidadãos comuns? Maior resistência do esqueleto, ligamentos, músculos? Serão esses os ingredientes necessários para a manutenção de uma vida activa por um período mais longo? Ou será que, precisamente, por manterem hábitos de exercício físico conseguem manter por mais tempo a capacidade física e mental necessária à prática, mesmo com idades mais avançadas? Ou seja, o próprio exercício potencia o aumento da duração e qualidade de vida do indivíduo?

Provavelmente um misto de ambas as situações! Sendo que na primeira opção dificilmente se poderão introduzir modificações, ao passo que na segunda pode-se incentivar uma cultura de estímulo da prática do exercício físico, com todas as vantagens que eventualmente possa representar para a saúde individual e coletiva.

Associada à prática do exercício físico, a questão dos hábitos saudáveis de vida não deve ser menosprezada, na medida em que também podem potenciar esta prática, seja por perda de hábitos menos saudáveis, como o tabaco e os excessos alimentares, seja por modificação mesmo de padrões de locomoção, pela menor utilização de transportes motorizados e pelo estímulo desse exercício físico tão simples, barato e amigo do ambiente que é o ancestral hábito de colocar um pé à frente do outro e assim sendo, caminhar! O cérebro gosta e os vários estudos corroboram os efeitos.

Diversos estudos têm tentado esclarecer o benefício do exercício na saúde mental, aumento da longevidade e qualidade de funcionamento do próprio cérebro. Num estudo do Instituto Karolinska, da Suécia, de 2008, que incluiu populações de gémeos suecos e populações de controlo, correlacionando hábitos de exercício ligeiro, regular e intenso, verifica-se, estatisticamente e de forma significativa, menor incidência de demência e Doença de Alzheimer nos indivíduos praticantes de exercício físico regular. Numa análise posterior verificou-se ainda que essa diferença aumentava nos indivíduos que, ao início, tinham excesso de peso. Ou seja, se os hábitos de exercício parecem prevenir de alguma forma a decadência do
cérebro, nos indivíduos com excesso de peso o ganho é ainda maior. A justificar estes dados estará provavelmente a noção de que o exercício melhora a saúde cardiovascular.

Numa meta-análise publicada em 2011, pela Mayo Clinic, concluiu-se que o exercício físico está associado a um menor risco de deterioração cognitiva e demência, potencialmente por duas vias. Primeiro, tanto estudos em animais como em humanos sugerem que o exercício poderá atenuar a progressão dos processos neurodegenerativos e perda de sinapses e de tecido de suporte. E, em segundo, pelos efeitos na saúde cerebrovascular, em especial no funcionamento dos pequenos vasos. Aconselha-se mesmo a prescrição de exercício físico moderado para a redução do declínio cognitivo ao longo da idade.

Outros trabalhos referem também o potencial benefício do exercício na ansiedade e saúde mental e conclui-se que pessoas mais ativas fisicamente encontram-se mais protegidas contra desordens depressivas, em relação às menos ativas. Parece existir relação direta e inversa, entre o nível de atividade física e níveis aumentados de comportamento depressivo.

Numa revisão da literatura internacional efectuada em Portugal em 2019, publicada na Revista Portuguesa de Enfermagem de Reabilitação, verificou-se que “os estudos demonstraram melhorias significativas em áreas como cognição, agitação, humor, mobilidade e capacidade funcional”. Ou seja, mesmo em casos de demência instituída, o exercício revela-se benéfico.

Em conclusão, para além dos efeitos sobre o aparelho cardiovascular (tensão arterial, colesterol, glicémia), músculo-esquelético (articulações, osteoporose…), ansiedade e depressão, parecem existir cada vez mais argumentos a recomendar a prática do exercício físico como medida preventiva do declínio do funcionamento do cérebro.


Gonçalo Costa
(Médico Neurocirurgião)

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