O que talvez nos esteja a faltar a todos é uma pitada de aceitação desta coisa tão humana que é a imperfeição. E perceber que a verdadeira autoestima não reside só na capacidade de valorizarmos os nossos esforços e conquistas, mas também na capacidade de aceitarmos, com genuíno amor-próprio, as nossas derrotas, fracassos, ou tudo aquilo que nos falta. 

Muitas vezes, quando pergunto aos pais qual é a qualidade mais importante que desejam para os seus filhos, eles respondem: “Que tenham uma boa autoestima”. É fácil de compreender porquê. A autoestima é, de forma geral, a avaliação que fazemos sobre o nosso próprio valor, enquanto pessoas. Relaciona-se com o nosso sentido de competência, a confiança que temos na capacidade de cumprir ou superar desafios, de sabermos quem somos ou onde pertencemos, e de nos gostarmos, cuidarmos e respeitarmos. De alguma forma, a autoestima é uma medida do amor-próprio.

 É natural que seja tão importante para os pais que os seus filhos acreditem em si próprios, pois isso aumentará as probabilidades de que persistam nos seus objetivos, desenvolvam relações saudáveis com os outros e arrisquem na exploração de situações e desafios novos. Também será uma maior garantia de que, em caso de perigo ou confronto com outros, eles saibam defender os seus interesses, direitos e necessidades. E, em última análise, que se saibam respeitar e cuidar, sempre que for preciso. Todo o pai ou mãe deseja, afinal, que os filhos consigam estender os limites de todo o amor e estima que os pais lhes deram, levando-os bem para dentro de si… e conseguindo, de certa maneira, ser bons pais de si próprios.  

Problemas de autoestima

Na verdade, muitas (se não todas) as perturbações de saúde mental têm na sua génese problemas relacionados com a autoestima ou o autoconceito. Muitas crianças e jovens que chegam aos serviços clínicos confessam achar-se pouco importantes, incapazes, feios, preguiçosos e maus (fazendo uma analogia com o título do filme de Ettore Scola). A investigação e a clínica têm demonstrado que perceções negativas acerca de si próprio, como considerar-se frágil/vulnerável, insuficiente/sem valor ou falhado/fracassado estão entre os fatores predisponentes para o desenvolvimento de perturbações de ansiedade, perturbações depressivas, problemas de comportamento, entre outros problemas de saúde mental na infância e adolescência. 

Estas crenças acerca de si próprio frequentemente estão associadas a emoções intensas de medo, culpa, frustração, e predispõem para comportamentos de evitamento das situações que podem ativar este tipo de emoções, o que acaba por reforçar e manter os problemas. Assim, por exemplo, um jovem com problemas no rendimento escolar pode recusar-se a estudar e fazer um boicote à escola porque, no fundo, quer evitar sentir-se burro/incompetente caso estude e tenha novamente más notas; ou pode, por outro lado, estudar tão intensamente, sem conseguir parar para descansar ou comer, com o mesmo intuito de tentar evitar sentir-se burro ou incompetente. Ambos os comportamentos são contraprodutivos e podem agravar os problemas de rendimento escolar, ao mesmo tempo que reforçam as perceções negativas acerca de si próprio e mantêm este ciclo disfuncional, podendo vir a desencadear uma perturbação de saúde mental.

Uma boa autoestima parece, assim, ser um bom antídoto para prevenir estes problemas. Se as crianças e jovens não duvidarem do seu valor, não ficarão tão vulneráveis ao impacto de situações externas (como as opiniões dos outros, ou as notas dos testes, pegando no mesmo exemplo) e, por outro lado, desempenharão as diferentes tarefas da sua vida com mais propósito e mais respeito pelos seus próprios interesses e necessidades. Terão sobre si próprios uma espécie de olhar positivo incondicional, um amor-próprio que seria inabalável, nos diversos contextos da sua vida. A fórmula mágica para os pais conseguirem desenvolver esta autoestima de ferro, nas crianças e jovens, é que parece complexa e difícil de encontrar.

Como promover uma autoestima saudável

Naturalmente, a autoestima assenta na qualidade das relações com figuras de vida significativas, pois a imagem que desenvolvemos sobre nós próprios é, em grande parte, um espelho do que os outros dizem sobre nós, ou da forma como nos tratam. Os pais assumem um papel primordial pois são o primeiro espelho da criança e, ainda que não sejam os únicos a contribuir para a construção da sua autoestima, e que possam até ser colocados em lugares menos influentes em determinadas fases e situações da vida, nunca perdem realmente o seu poder. Elogiar frequentemente, valorizar esforços, tentativas e conquistas da criança, ouvir, atender (e quando possível priorizar) as suas necessidades, dar-lhe tempo e atenção exclusiva, respeitar e considerar as suas opiniões e sentimentos, são tudo formas eficazes de construir a autoestima, desde cedo na vida de uma criança. 

Há, no entanto, uma subtileza importante de considerar. Ter uma autoestima saudável não é achar-se o melhor, o mais importante, o mais especial e, muito menos, achar-se perfeito. É impossível e não é sequer desejável que os nossos filhos passem pelas diversas situações da sua vida sem falhar, sem duvidar, sem se comparar com outros percebendo que em determinadas áreas são melhores que uns e piores que tantos. Porque assim é a vida real, e a condição de ser humano entre outros humanos. Por isso, criticar os jovens por não serem tão bons quanto podiam ser, compará-los constantemente com outras crianças/jovens, ou, até, fazer-lhes grandes elogios, mais focados em qualidades relativamente estáticas e abstratas do que nas suas ações concretas e visíveis, não parecem ser modos de promover realmente a autoaceitação e a autovalorização. 

Não é raro encontrar jovens que me dizem que têm medo de desiludir os outros, por acharem que os outros esperam demasiado de si. E que se sentem uma espécie de impostores por não corresponderem às altas expectativas dos outros sobre si. Vivemos, realmente, um tempo em que altas expectativas são depositadas sobre as crianças e os jovens, com uma enorme ênfase no seu sucesso, nas suas proezas e aquisições. É difícil, por isso, não focar demasiado a nossa atenção no que ainda falta, no quase que fica por preencher enquanto não se vê atingida uma suposta (mas inalcançável) perfeição. Assim, as críticas e comparações saltam precipitada e abundantemente das bocas dos mais bem-intencionados pais, acabando por predominar nas interações com as crianças. 

 O que talvez nos esteja a faltar a todos é uma pitada de aceitação desta coisa tão humana que é a imperfeição. E perceber que a verdadeira autoestima reside não só na capacidade de valorizarmos os nossos esforços e conquistas, mas também na capacidade de aceitarmos, com genuíno amor-próprio, as nossas derrotas, fracassos, ou tudo aquilo que nos falta. Assim, à pergunta “Como tenho valorizado os sucessos do meu filho?” os pais podem e devem acrescentar “Como tenho lidado com os erros do meu filho?”. Será a partir desta atitude aceitante e mais focada no reconhecimento das qualidades presentes do que na comparação constante com um qualquer ideal, que os pais podem contribuir para que os filhos desenvolvam amor e aceitação para consigo próprios. Assim, quando se olharem ao espelho, os jovens não verão só defeitos, nem verão só qualidades. Mas saberão aceitar-se e estimar-se assim mesmo, imperfeitos como são. 

Sara Martins Leitão
(Psicóloga Clínica de Crianças, Adolescentes e Famílias)

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