O esquecimento nas pessoas mais idosas nem sempre é levado a sério. Admite-se que é um ingrediente de um processo normal de envelhecimento, a par com o ouvir mal ou ser mais lento. Nada mais errado!

Para ler este texto é necessário que as células do cérebro (neurónios) estejam a comunicar entre si. Temos 800 mil milhões de neurónios, uns mais especializados que outros – é certo – e tudo o que somos, fazemos, pensamos, imaginamos e sentimos passa por ali. A informação circula a uma velocidade próxima dos 400 km/hora e está sempre dependente da comunicação que existe entre os neurónios, as chamadas sinapses ou pontos de encontro de trocas químicas e elétricas.

Quando a idade avança, este funcionamento começa a perder alguma eficácia, mas as modificações são subtis e não interferem com a vida do dia-a-dia. Contudo, se houver doença (declínio patológico), esse processo é mais acelerado, mais intenso e isso reflete-se nas atividades diárias. Nestes casos, a tendência é para atribuir essas falhas ao envelhecimento e, não raras vezes, os próprios profissionais de saúde associam “velhice” com compromisso das atividades cognitivas, como se fossem sinónimos.

Primeiro que tudo é preciso perceber como se envelhece em Portugal. O esquecimento nas pessoas mais idosas nem sempre é levado a sério e, tal como a maior resistência à novidade e extra-rotinas (“fora da caixa”), admite-se que são ingredientes de um processo normal de envelhecimento, a par com o ouvir mal ou ser mais lento. Nada mais errado! Não é apenas o risco cardiovascular que importa. O cansaço, a desmoralização, o sofrimento e a solidão, inevitavelmente irão acelerar o défice de saúde mental e física.

A falha de memória deve ser um alerta, mas há outros sintomas, mais ou menos subtis, a que devemos dar atenção:

  • Perder o entusiasmo por atividades que eram muito apreciadas;
  • Desorientação no tempo e eventualmente no espaço;
  • Arrumar objetos no lugar errado;
  • Perda de iniciativa;
  • Perda de capacidade na resolução de problemas básicos;
  • Perda de capacidade de raciocínio;
  • Alterações de humor, comportamento e personalidade;
  • Dificuldade na utilização de palavras (fala e/ou escrita);
  • Perda de memória.

Com o passar do tempo, os sintomas acumulam-se. A perda de células cerebrais aumenta, a comunicação entre os neurónios altera-se, há uma deposição excessiva de substâncias anormais no cérebro, que atrofia (“encolhe”) e perde funções. A demência é isto, quase sempre irreversível e ainda sem cura.

A perda de memória é sempre o mais evidente, mas as alterações na estrutura do cérebro irão desencadear a perda de outras capacidades. O que está à sua volta deixa de ser percetível e tarefas banais (como vestir a roupa), tornam-se impossíveis de apreender. As capacidades cognitivas estão comprometidas e a doença avança, passando de moderada a severa.

A deteção precoce é importante precisamente neste momento inicial e, apesar de ainda não existir terapêutica eficaz para a cura, já existe medicação que ajuda a estabilizar sintomas, traduzindo-se sempre numa maior qualidade de vida para a pessoa afetada pela demência, mas também para todos os outros que estão à sua volta.

Mais tarde ou mais cedo, a pessoa com défice cognitivo estará completamente dependente de uma terceira pessoa. O impacto é grande e os cuidados serão de longa duração. A demência é esmagadora na saúde, mas também nas organizações, sistemas financeiros e jurídicos e, sobretudo, na família e na sociedade – portanto deverá ser uma preocupação de todos.

Há 16 anos, a OMS considerou que as demências foram a 5.ª causa de morte nos países desenvolvidos. Junte-se a morbilidade. Nas pessoas acima dos 60 anos, estima-se que a demência contribua com 12 anos vividos com incapacidade; valor muito superior para o que é calculado para os AVC’s (9,5 anos), para as doenças vasculares (5,0) e até mesmo para todas as formas de cancro (2,4 anos de vida).

E os cuidados que estas pessoas precisam têm um custo. A Alzheimer Disease International fez contas e, em 2015, se os gastos com os cuidados com a demência fossem comparados com o Produto Interno Bruto (PIB) de um país rico, estaríamos a falar da 18.ª maior economia do mundo (Países Baixos) …

Isabel Santana
(Médica, Neurologista)

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