Todos querem envelhecer com “êxito”, sem declínio de funções, e sem doenças neurodegenerativas. A genética tem 20% de peso na forma como envelhecemos. Os restantes 80% dependem de nós, do estilo de vida, dos amigos, da família e dos propósitos que temos. Ou seja, aquilo que nos faz levantar da cama todos os dias

Se existisse um comprimido para envelhecer bem e com “êxito”, as salas de espera e de consulta estariam cheias e repletas de gente interessada. Mas, se um médico disser que isso depende do estilo de vida e das opções que cada um faz, as salas de espera esvaziam e o médico fica a falar sozinho.

O estilo de vida é determinante e, quando queremos perceber o que influencia a longevidade conclui-se que a genética tem apenas um peso de 20%. Os restantes 80 % passam pelo nosso modo de vida e pelo ambiente em que estamos inseridos. Na realidade todos queremos envelhecer com “êxito”, mantendo as capacidades funcionais e a qualidade de vida. Alcançar este objetivo depende da preservação das funções cognitivas cerebrais. Alguns conseguirão manter todas as suas capacidades ao longo da vida, outros sofrerão algum declínio em funções específicas, outros ainda, serão vítimas de processos de doença neurodegenerativa que conduzirá à demência.

O que é envelhecer? O que acontece? A partir de quando? Será que “Envelhecer é um pecado?” (Madona, Lisboa, 2023). O envelhecimento é apenas uma fase no processo da vida e será sempre uma experiência da vida humana no tempo. Se queremos mesmo viver, não há como escapar à senescência e à morte e esse caminho não deve ser percorrido com receio da incapacidade ou dependência que pode (ou não) chegar com a velhice.

Claro que existem alterações estruturais, funcionais e metabólicas que acompanham o processo fisiológico de envelhecimento e que se traduzem no declínio de algumas capacidades e por isso envelhecer também traz más notícias ou aspetos menos bons. Aliás, em estudos evolutivos de cérebros ao longo da vida, percebe-se que a atrofia cerebral, o aumento dos ventrículos e o alargamento dos sulcos tornam-se visíveis nas imagens de ressonância magnética, a partir dos 30 anos de idade. Simultaneamente, a sociedade “resguarda-se” dessa mesma velhice e afasta essa população mais velha, assumindo que será vergonhoso falar de envelhecimento. Os velhos são discriminados, o ageismo ou idaismo acompanha a sociedade moderna.

Claro que o cérebro vai perdendo neurónios com o tempo… Mas é astuto e hábil em criar estratégias para superar essas fragilidades. Hoje, são conhecidas imensas estratégias interventivas para incentivar um envelhecimento ativo,- treino cognitivo, exercício físico, controlo alimentar, neuromodulação e abordagens farmacológicas experimentais, sendo a sua eficácia alvo de muitas e interessantes discussões.

Os estudos científicos e a literatura disponível sobre o tema como “envelhecer” bem de “forma ativa”, etc… são inúmeros e aos milhares. Mas as chamadas “zonas azuis”, recentemente estudadas e descobertas vieram acabar por reduzir as questões e as dúvidas a essa resposta em pouco mais de meia dúzia de particularidades, provando que o estilo de vida importa. Ou seja, se queremos viver mais anos e viver esses anos com qualidade, o estilo de vida importa mesmo!

Neste momento estão identificadas cinco “zonas azuis” no Japão, Grécia, Estados Unidos, Costa Rica e Itália. A designação “azul” é um acaso, por terem sido marcadas no mapa com caneta azul. Mas o que lá acontece não é uma casualidade. É ali que existe uma população em maior número centenária e, além da longevidade, acumulam a caraterística de envelhecerem bem, felizes e com saúde.  

Como fazem? Onde estão as diferenças?

Cada uma com a sua particularidade, é certo, mas há traços e/ou hábitos que todas estas zonas têm em comum. Nunca comem até ficarem completamente saciados, fazem restrição alimentar e por isso param de comer antes dos 100%. Ficam-se nos 80%. 

Não andam em ginásios, mas não param quietos. Andam naturalmente, não usam carro e cuidam das suas próprias hortas. Gostam de caminhar na natureza e é nestas hortas que cultivam os produtos frescos e vegetais, que são a base da sua alimentação, os ingredientes principais de todas as refeições. Também comem carne, mas de forma secundária. 

No caso japonês, em Okinawa, que é mesmo considerada a “terra dos imortais”, é ali que vivem as mulheres mais velhas do planeta. Andam a pé e tomam as refeições no chão, um facto que (por se levantarem tantas vezes) proporciona que tenham equilíbrio, protegendo-se de eventuais quedas. Em todos eles, o destaque vai para a alimentação e para o plano de vida. Têm um propósito, um sentido de pertença, sentem-se necessários e querem contribuir para um bem maior. Isolamento e solidão são o oposto do que é envelhecer bem. Ter um propósito, um objetivo que nos faça levantar da cama aumenta em 7 anos a esperança média de vida. O conceito de reforma não existe, mas está sempre bem presente a ideia de que são importantes para alguma coisa. A família e os amigos fazem parte do dia-a-dia e está bem presente a interação entre avós, filhos e netos.

O idadismo não existe.

Texto elaborado a partir da Conversa no Exploratório com Cristina Januário (médica neurologista)

“Em verdade, se a velhice não está incumbida das mesmas tarefas que a juventude, seguramente ela faz mais e melhor. Não são nem a força, nem a agilidade física, nem a rapidez que autorizam as grandes façanhas; são outras qualidades, como a sabedoria, a clarividência, o discernimento. Qualidades das quais a velhice não só não está privada, mas, ao contrário, pode muito especialmente se valer.”

Excerto de “Saber Envelhecer”,  Marco Túlio Cícero (106- 43 AC) 

Três problemas

O envelhecimento é um fenómeno mundial e ninguém se preparou devidamente para uma queda de natalidade, cumulativamente com o aumento da esperança de vida. Portugal não é um caso único. Se em 1960 a esperança média de vida estava entre os 60 e os 66 anos, em 2021 os valores mudaram para 78 e 83,5 anos. Simultaneamente, a população envelheceu. Em 1960, a população com mais de 65 anos rondava os 8% e as crianças com menos de 14 anos representavam 29% da população total. Em 2021, as percentagens inverteram-se e temos 23% da população com mais de 65 anos, contra 13% de crianças e jovens.

A sociedade portuguesa envelheceu e junta-se à grande maioria dos países desenvolvidos que começam a dar conta dos três problemas que emergem:

Um problema demográfico, médico e social. 

Em cinco décadas, Portugal perdeu 46% da população até aos 15 anos. O último estudo da Prodata refere-se a 2022, um ano em que existiam em Portugal 1,3 milhões de crianças e jovens até aos 15 anos. Por comparação, lembramos que até ao início da década de 1980, as crianças representavam pelo menos um quarto da população. Em 2022, essa percentagem é de 12,8%. 

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