São os sintomas os melhores indicadores para sinalizar ou não a presença de asma, uma doença inflamatória crónica, complexa, heterogénea e muito comum na população portuguesa. O diagnóstico diferenciado irá refletir-se no controlo da doença e melhoria da qualidade de vida. A chamada “bomba” já não é igual para todos os doentes. A medicina de precisão permite dar uma resposta diferenciada. É preciso avaliar o feno-endótipo de cada doente
No passado, o tratamento da asma era praticamente semelhante para a maioria dos asmáticos. Os doentes recebiam a mesma medicação, independentemente das particularidades e evolução da doença. Assim, os tratamentos eram preferencialmente dirigidos para os sintomas, sem atingir o processo inflamatório subjacente. Hoje, a introdução dos bio marcadores permitiu um avanço no conceito da medicina de precisão, permitindo avaliar o feno-endótipo de cada doente.
Os diferentes fenótipos não são mais do que as caraterísticas observáveis de um organismo, desenvolvidas na interação do mesmo com o meio, podendo organizar-se numa série de vertentes importantes que, além de diferenciarem grupos – no caso das doenças – traduzem diversos mecanismos fisiopatológicos e, obviamente, diferentes respostas terapêuticas e vários prognósticos.
A asma é uma doença heterogénea, com vários fenótipos reconhecidos e na sua abordagem devem ser consideradas as diferentes particularidades, tais como a idade em que surgiu a doença, variação hormonal, existência de comorbilidades, tipo de obstrução, resposta ao tratamento, tipo de inflamação, hábitos tabágicos e exposição ambiental. Assim, quando nos referimos a uma característica patológica, devemos ter presente que ela pode existir em mais do que um fenótipo clínico e o inverso também é verdade.
São vários os estudos que têm demonstrado a existência destes diferentes fenótipos e que valorizam as variáveis fisiológicas ou os bio marcadores. Em todos esses estudos, variáveis como a idade do início de doença, género, presença de obesidade, grau de inflamação eosinofílica e obstrução têm-se mostrado importantes na distinção dos diferentes grupos.
Sumariamente, os grupos podem ser sistematizados em:
– Asma alérgica de início precoce, que, quando grave, apresenta compromisso funcional e inflamação eosinofílica;
– Asma de início tardio, com inflamação mista ou não eosinofílica, sobretudo associada a obesidade, mas não necessariamente, podendo haver outros fatores relacionados, como infeções ou tabagismo.
Além destes grupos de asmáticos, duas características transversais a vários fenótipos devem ser consideradas:
– Obstrução persistente – Pelo seu pior prognóstico, uma vez que a limitação do débito aéreo pode resultar na limitação à capacidade de esforço originada pela hiperinsuflação dinâmica, semelhante à observada na DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica). Os fatores de risco associados são a atopia, hábitos tabágicos, asma grave na infância e grau de eosinofilia com consequente remodelação da via aérea, sendo maior a frequência de agudizações graves. Quando, nos doentes asmáticos com obstrução persistente, está implicado o subfenótipo de sobreposição asma/DPOC, há que ter em consideração as implicações na abordagem terapêutica;
– Perfil de exacerbador (mais de dois episódios/ano) – Desde há muito reconhecido e, frequentemente, associado a formas mais graves de doença. Pode caracterizar-se quer por normal função respiratória com flutuações marcadas nos períodos de agudização (habitualmente acompanhados de inflamação eosinofílica), quer por declínio funcional progressivo, moderado a grave. Os desencadeantes podem ser vários (alergénios, vírus, agentes poluentes, stress oxidativo), condicionantes de desvios imunitários (ver Pneumologia
Fundamental, 2019).
A precisão do diagnóstico da asma implica uma abordagem dos vários componentes extrapulmonares, incluindo as comorbilidades, e dos componentes pulmonares, nomeadamente na caracterização precisa do tipo de asma, chegando assim às melhores seleções terapêuticas, dentro das opções que existem e que são hoje mais diversificadas. De entre as comorbilidades pulmonares, destaca-se a
DPOC, com uma prevalência que aumenta com a idade, sendo mais comum em fumadores.
Contudo, a rinite e rinossinusite, com ou sem polipose nasosinusal é a comorbilidade mais frequente, atingindo 85 a 90% dos doentes com asma. A obesidade, a apneia do sono, a hipersensibilidade a anti-inflamatórios não esteroides e as doenças mentais, tais como a ansiedade e a depressão, incluem-se no grupo das várias comorbilidades do doente asmático.
Sendo a asma uma doença inflamatória crónica, os corticoides inalados (ICS) constituem a base do seu tratamento de controlo, que deve ser iniciado o mais precocemente possível, com o intuito de melhorar os sintomas e a qualidade de vida, diminuir as agudizações e a mortalidade e melhorar a função pulmonar.
Da maior importância para o êxito do tratamento da asma, além das moléculas selecionadas, são os inaladores adequados a cada doente, considerando a partilha de decisão e as eventuais limitações. Os corticosteroides inalados revolucionaram o tratamento dos doentes asmáticos. Têm um papel fundamental na terapêutica da asma brônquica, enquanto fármacos com atividade anti-inflamatória, e são recomendados como terapêutica de primeira escolha para asmáticos de qualquer idade.
Hoje, existe a necessidade de precisão do diagnóstico da asma, uma tarefa que implica a abordagem dos vários componentes extrapulmonares, incluindo as co morbilidades e os componentes pulmonares, nomeadamente na caraterização precisa do tipo de asma. Teremos de ter bem presente que a asma continua a ser uma doença heterogénea e complexa, apesar de os sintomas serem quase todos muito idênticos e de variarem ao longo do tempo, mas também a intensidade com que ocorrem, bem como a limitação do débito respiratório.
A diversidade dos medicamentos e as novas alternativas, com diferentes dispositivos, novas moléculas e as terapêuticas biológicas, introduzidas em Portugal em 2007, permitem hoje respostas diferenciadas e perfeitamente adaptadas a cada doente. O tratamento da asma passou a ser um caso/exemplo da chamada medicina de precisão.
Ana Maria Arrobas
(Médica, Pneumologista)
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