Com 20 semanas de gestação, o feto já pode começar a ouvir. Pelo menos tem essa capacidade. Mas, esta é uma função em que não basta a existência do órgão. É preciso o estímulo. A biotecnologia tem ajudado a reconstruir histórias.
Há milhões de anos, algures na longa jornada da evolução, esses pequenos grupos de células com o mesmo património genético vivendo em grupo e ajudando-se mutuamente a que se chamou seres vivos, começaram a promover a diferenciação de um grupo específico de células, de cada lado da região neuronal, com o objetivo de detetar as vibrações produzidas pelo meio ambiente. Era um método de defesa fantástico, antecipando o perigo à distância sem necessidade de contacto direto, e localizando a sua origem, pela comparação temporal entre os dois órgãos.
A esta característica – deteção e perceção de vibrações entre os 20 e os 20.000 Hz produzidos pelo meio ambiente – chamamos audição. Mais tarde viria a evoluir para além da deteção e localização sonora, para a sua compreensão (som descodificado em conceito) constituindo-se um dos fundamentos da comunicação. O outro é a fala, competência adquirida com a aprendizagem nos primeiros anos de vida, completamente dependente da audição.
É pelas 20 semanas de gestação que o feto começa a ouvir. Ainda dentro do ventre materno, já a criança começa a formatar o seu sistema auditivo central na melodia daquela que vai ser a sua língua materna. Evoluindo paralelamente, o órgão e a função, estão de tal forma interligados que a função está dependente do órgão, mas também o órgão depende da influência do estímulo.
Uma criança que tem defeitos no sistema auditivo terá deficit na função auditiva, mas também a diminuição da receção dos sons irá influenciar duma forma irreversível o desenvolvimento neuronal das vias auditivas. Por isso, é necessário detetar muito cedo um deficit auditivo numa criança – determinar o grau de surdez (que pode ser ligeiro, moderado, severo ou profundo), o tipo de surdez (pode ser de transmissão ou neuro-sensorial) e a duração da surdez (pré-lingual, perilingual, pós-lingual).
A deteção e caracterização da surdez numa criança é um desafio fascinante para o profissional. As dificuldades na colaboração e nas capacidades cognitivas da criança, na escolha do método de diagnóstico, na interpretação dos resultados, na planificação do plano de reabilitação, fazem desta tarefa uma das mais árduas da prática do otorrinolaringologista. Mas também das mais gratificantes, porque uma correção adequada da surdez numa criança pode restaurar todo o seu processo de aprendizagem, harmonizar a sua integração social no mundo dos normo-ouvintes, e promover o seu equilíbrio psicológico. Para isso é fundamental o diagnóstico precoce, a escolha de método de reabilitação adequado e um ajuste perfeito da compensação à perda auditiva.
Os progressos da biotecnologia permitem hoje aos profissionais desta área utilizar equipamentos e materiais que, cada vez mais, respondem às necessidades da criança com surdez: aparelhos auditivos com características diversas, com tamanhos adequados, com capacidade de ajustamento próximo do ouvido normal, fazem com que histórias pesarosas tenham muitas vezes um final feliz!
(médico otorrinolaringologista)
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