Há um paralelismo entre o “on/off” do nosso computador, com a perceção e sensibilidade da realidade durante uma anestesia? O cérebro é mesmo desligado ou mantém-se em funcionamento? A anestesiologia vai ganhando a capacidade de poder selecionar os “botões”

De uma forma simples e metafórica, podemos dizer que numa anestesia geral o médico anestesiologista “carrega” no “off” da nossa consciência da realidade e desliga a nossa perceção à agressão da cirurgia e dor. No entanto e porque houve um aperfeiçoamento dos anestésicos e monitores, este botão “off” é cada vez mais seletivo, isto é, não fica tudo desligado!

Durante uma anestesia, todos os nossos órgãos continuam “on” ou numa espécie de “standby”, mantendo as suas funções vitais, incluindo mesmo, o nosso cérebro que continua a pensar e a sonhar… Muitos são os doentes, por exemplo, que durante a anestesia têm a perceção de que estão num lugar muito agradável, muito longe do bloco operatório, como é o caso de uma praia ou uma serra; outros continuam a dormir tranquilamente em suas casas ou a fazer as suas tarefas diárias e há mesmo muitos que têm a perceção de que estão a resolver assuntos sérios de trabalho e ficam muito espantados quando dão por si, a acordar (porque alguém ligou o “on” da realidade) e de facto estão numa sala operatória fria, sob uma cama com um colchão demasiado rijo e, surpreendentemente, já foram operados (como é possível?)!

A anestesia geral, de uma forma muito simplificada, é isto mesmo, um “off” da realidade e perceção de sensibilidade, permitindo ao cirurgião realizar uma cirurgia sem dor ou perceção da mesma, mantendo, simultaneamente, a homeostasia e o bom funcionamento de todo o nosso organismo.

O médico anestesiologista induz uma espécie de “coma” (“off”) necessário para um procedimento cirúrgico, e por isso, na maior parte das anestesias gerais, os doentes têm de ser entubados (colocação de um dispositivo na boca que pode ir até à faringe, ou muitas das vezes até à traqueia e que serve para evitar que deixem de ventilar/respirar) e, maioritariamente, com necessidade de serem ventilados por um ventilador.

Este coma induzido não pode ser muito profundo, porque o objetivo, como já foi dito, é manter todos os nossos órgãos em bom funcionamento, nomeadamente o nosso cérebro. E é aqui que reside toda a “arte” anestesiológica, ou melhor, toda a técnica, competência e conhecimento clínico e científico que um médico anestesiologista adquire ao longo de muitos anos!

É o nosso médico anestesiologista que durante todo o procedimento cirúrgico nos vigia e “guarda” constantemente, fazendo uma monitorização contínua da respiração, tensão arterial, batimentos cardíacos, temperatura, glicémias, assim como também da atividade elétrica do nosso cérebro que apesar de estar

“off” para a realidade que está a acontecer à sua volta, na sala operatória, continua a criar imagens, sonhos, a pensar e a mergulhar num mundo maravilhoso e ainda muito desconhecido.

Por vezes, o anestesiologista também pode carregar noutros botões “off” ainda mais seletivos e desligar somente a consciência ou sensibilidade de uma parte do nosso organismo, como por exemplo anestesiar só uma mão, um pé, um ombro, uma perna ou mesmo só um braço. Neste tipo de anestesia (locorregional), o cérebro é desconectado por uns minutos ou horas daquela zona do nosso corpo que será submetida a um procedimento cirúrgico. Nestas situações, de anestesia

locorregional, o doente continua a ter perceção da realidade (sabe que está a ser operado, e sabe onde está), mas simplesmente não sente a zona do seu corpo que está a ser intervencionada. Foi portante realizado um “off” a um microcircuito do nosso organismo, mantendo todos os outros circuitos a funcionar normalmente.

É claro que cada doente é um doente e, para que o médico anestesiologista saiba muito bem a “máquina” e os respetivos botões “off” e “on” que vai trabalhar, tem de perceber e conhecer todo o seu historial e problemas de saúde. Por isso não se esqueça: na avaliação pré-anestésica deve nomear todos os seus problemas de saúde (doenças, alergias, medicamentos, hábitos, problemas que teve com anestesias anteriores, etc.) e, principalmente, conversar com o seu médico anestesiologista sobre os seus receios e dúvidas!

Ana Bernardino
(Médica, Anestesiologista)

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