É o excesso de glicose que começa por danificar os vasos sanguíneos capilares. A entrada de oxigénio nas células da retina fica comprometida e o tecido retiniano reage, criando vasos com defeito. É tudo isso que precisa ser vigiado, porque a retinopatia diabética pode manifestar-se sem sintomas e pode conduzir a um processo de cegueira irreversível

Considerada como a doença do século, a Diabetes Mellitus propagou-se nestas últimas décadas na população dos países mais desenvolvidos, catapultada pelo sedentarismo, aumento da ingestão calórica e consequente obesidade – que aumenta a resistência do organismo à ação da insulina. A Organização Mundial de Saúde estima que o número de indivíduos com Diabetes quadruplicou desde os anos 80, situando-se atualmente acima dos 400 milhões. No nosso país, as estimativas mais recentes da Sociedade Portuguesa de Diabetologia apontam para uma prevalência real de cerca de 12% de diabéticos na nossa população, percentagem essa que aumenta para sensivelmente 25% quando consideramos apenas a faixa etária dos 60-79 anos. É importante sublinhar que aproximadamente metade da população diabética não se encontra diagnosticada, ou seja, ainda desconhece ter a doença.

Podemos distinguir dois grandes subgrupos de diabetes: o tipo 1, que aparece tipicamente em idades mais precoces, por destruição autoimune das células produtoras de insulina do pâncreas e o tipo 2, mais frequente que o tipo 1, diagnosticado principalmente a partir da meia-idade e intrinsecamente ligado ao estilo de vida do indivíduo. 

Quer a destruição das células produtoras de insulina, quer as alterações metabólicas decorrentes de um estilo de vida menos ativo/obesidade, têm como resultado o aumento dos níveis circulantes de glicose, o que acarreta efeitos deletérios a nível sistémico.

A nível oftalmológico, a retina (que podemos equiparar ao “filme” de uma máquina fotográfica) é o principal alvo desta desregulação hormonal. Na observação do fundo ocular podemos encontrar várias lesões de origem vascular, que se englobam vulgarmente num termo: retinopatia diabética.

O excesso de glicose circulante é localmente tóxica e danifica os pequenos vasos sanguíneos e capilares, que transportam oxigénio até às células da retina, diminuindo a quantidade disponível desta molécula – isquemia retiniana. O mecanismo compensatório natural do tecido retiniano é a indução da formação de novos vasos – que são defeituosos e babam o conteúdo facilmente. 

As alterações estruturais nestes vasos podem causar transformações que, atendendo à história natural da doença, podem surgir mais precocemente, como por exemplo hemorragias intra-retinianas ou micro aneurismas; ou mais tardiamente, causando complicações como edema macular diabético (passagem de conteúdo intravascular para a espessura da retina), hemorragia do vítreo (presença de sangue no segmento posterior do globo ocular), descolamento tracional da retina e glaucoma, por exemplo. Estas complicações tardias encontram-se normalmente associadas a uma diminuição acentuada da acuidade visual que, por vezes, pode até ser irreversível mesmo com o tratamento adequado.

Imagem de angiografia de retinopatia diabética. As “nuvens brancas” são neovasos que babaram


Nas suas fases iniciais (e por vezes em fases tardias), a retinopatia diabética não causa qualquer tipo de sintoma, mas em estádios mais avançados, pode conduzir a um processo de cegueira irreversível. Por esse motivo, as recomendações internacionais apontam para que indivíduos diabéticos, mesmo que assintomáticos, sejam vigiados anualmente em consulta de Oftalmologia. A consulta deverá contemplar um exame oftalmológico completo, nomeadamente com observação do fundo ocular após dilatação farmacológica da pupila.

Esta vigilância deverá ser ativa e efetuada mesmo que o doente diabético não note qualquer alteração da sua acuidade visual subjetiva, uma vez que os sinais típicos da retinopatia diabética podem manifestar-se apesar da ausência de sintomas. O exame oftalmológico permite-nos identificar: alterações da melhor acuidade visual corrigida; alterações patológicas dos vasos da íris (rubeosis iridis) e da tensão intraocular podem indicar indiretamente um estado avançado da doença; e patologia vascular da retina, como hemorragias, microaneurismas, e outras anomalias vasculares, por exemplo, ou a presença de um edema macular diabético, entre outros. 

No entanto, a avaliação destes indivíduos deverá, se possível, ser complementada com o recurso a exames de imagem multimodal, que nos permitem observar as alterações detetadas no exame oftalmológico mais pormenorizadamente e, consequentemente, orientar melhor o seguimento do indivíduo e a decisão terapêutica, se tal for necessário (seja através da injeção intravítrea de fármacos, da realização de fotocoagulação com laser, ou de cirurgia).

A prevenção da retinopatia diabética nem sempre é possível. Não obstante, há cuidados gerais que o indivíduo diabético pode e deve tomar, por se saber estarem ligados a uma menor incidência da doença, mas também à diminuição do ritmo de progressão desta patologia silenciosa. Relembramos esses cuidados: o controlo sistémico da diabetes (através de uma alimentação mais regrada, atividade física regular e medicação anti-diabética); a monitorização do nível de glicose circulante e hemoglobina glicosilada (HbA1c) de acordo com as indicações do seu médico de família ou endocrinologista; a medição e controlo da tensão arterial e níveis séricos de colesterol, a cessação tabágica e, por fim, a vigilância anual em consulta de Oftalmologia.

Imagem pós-operatório de retinopatia diabética tratada com laser


Marco Marques
(Médico oftalmologista)

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