Não é de todo a idade do vazio. A adolescência é apenas um tempo de espera, que mistura apatia e euforia, impulsividade e melancolia e, claro muita incompreensão. Há um propósito para estes comportamentos, crescer e garantir a identidade

Falar de adolescência é falar de um processo de enorme complexidade e riqueza interior, que não se esgota pura e simplesmente na preparação para a vida adulta, é falar de um momento dinâmico e de crescimento interno. Embora ocorra entre a infância e a vida adulta, em termos cronológicos, a adolescência está repleta de características específicas e, durante este período, os indivíduos desempenham papéis sociais de grande responsabilidade. Esta fase deve ser encarada como uma espécie de exploração, que prepara o adolescente para o assumir de responsabilidades e compromissos, decorrendo daqui a absoluta necessidade de haver reconhecimento social da adolescência, de atribuir um estatuto a um momento que, apesar de não ser de tranquilidade, porque pode ser caraterizado por conflitos e opções que as famílias podem considerar impróprios, serve um propósito claro e supremo: crescer.

Apesar de sabermos que a adolescência é um período marcado por profundas transformações fisiológicas, psicológicas, afetivas e sociais…, em grande parte das análises comuns sobre o tema, ouvimos definições deste período que se fazem pela negativa, quase pela ausência de qualidades, pelo vazio. Não é raro ouvirmos frases como “a adolescência é uma altura em que já não se é criança, mas ainda não se é adulto”. Preferimos outra perspetiva.

A grande dificuldade em definir adolescência começa provavelmente em tentar delimitá-la. Se é consensual afirmar que o seu início se dá com a puberdade, definir o seu final não é tão pacífico e depende do contexto social e cultural onde ocorre, das diferenças entre os géneros feminino e masculino e, muito particularmente, das questões relacionadas com a variabilidade individual. A acrescentar a tudo isto, a sociedade contemporânea lida com uma realidade de variáveis que não permitem simplificar a questão, garantindo que a adolescência termina quando o indivíduo entra na idade adulta. O alargamento da escolaridade e a crise de desemprego que vivemos tornam o indivíduo dependente da família por mais tempo, não deixando contudo de lhe serem exigidas responsabilidades e respostas de autonomia. Esta dualidade contraditória é muitas vezes responsável por desequilíbrios e até perturbações graves.

Uma outra questão de real importância na abordagem deste tema, relaciona-se com a visão preconceituosa e até depreciativa que muitas vezes paira sobre a adolescência, senão vejamos, “idade do armário”, “aborrescência”, “idade da parvoíce”, entre outras, são expressões muitas vezes utilizadas para nos referirmos a este momento da vida, isto para além das representações sociais que a associam à violência, ao vandalismo, à droga, à marginalidade…

O conjunto de alterações globais que ocorrem durante a adolescência transformam-na num processo de difícil compreensão, não só para os outros, como também para o próprio adolescente. Todo o trabalho de crescimento e de maturação estrutura-se numa reintegração que implica o passado, as experiências infantis e o futuro, que se espera que venha a acontecer, mas que ainda é completamente incerto. O adolescente sente que tem de fazer escolhas muito penosas, definir regras, optar por valores, fazer escolhas escolares e profissionais, definir a sua orientação sexual, no fundo, fazer uma reintegração pessoal e social completa. Este é um processo que se faz de avanços e retrocessos, muitas vezes com os pais, outras sem eles, com um grande amigo ou em completa solidão.

Nestas “batalhas” entram também as questões ideológicas, éticas e morais. O indivíduo que agora é capaz de pensar nos assuntos, recorrendo a processos que resultam da maturidade intelectual, passa a exigir coerência nas discussões em que se envolve e onde, agora, pode expressar a sua postura perante a vida e a formação das suas ideias. Liberdade, lealdade, verdade e justiça, são alguns dos valores que o adolescente defende mais afincadamente e, muitas vezes, revolta-se contra uma visão social que não valoriza ou não aceita estas mesmas questões.

Conhecemos os comportamentos adolescentes que mostram a necessidade de marcar a diferença. São também frequentes as mudanças súbitas de humor, a impulsividade e a melancolia, que aparecem de mãos dadas com a apatia e a euforia. Neste meio de incompreensões, os adolescentes acusam muitas vezes os outros de não os entenderem mas esta não é mais do que a projeção da sua própria falta de capacidade para se compreenderem a si próprios. Todas estas dificuldades são resultantes da tensão que tem origem nas transformações que o adolescente tem de gerir, que podem mesmo criar um vazio, uma ausência temporária de entendimento dos novos afetos, mas que não são mais do que parte da sua busca de identidade.

A adolescência é assim uma fase da maior importância no processo de estruturação da identidade, que será uma realidade interior que nos orienta intrinsecamente; um fio condutor, que garante que seremos os mesmos durante a vida, mesmo que tenhamos que passar por mudanças e acontecimentos diferentes. A identidade constrói-se num jogo de experiências com os outros significativos, que nos permitem aproximar e, simultaneamente, diferenciar. Durante a infância, esses modelos são essencialmente os pais, na adolescência, procuramos referências identificativas no grupo de pares, onde o “melhor amigo” é uma peça fundamental.

A construção da identidade é então a procura do comum e a construção do diferente que, quando cimentada, nos garante a tal continuidade interna mas que exige um tempo, um período de pausa, que pode ser diferente de indivíduo para indivíduo e que também depende da cultura e da sociedade. Este tempo de espera, que serve para descobrir tanto a nova realidade psicológica, como a nova realidade concreta, é um momento de procura de alternativas em que o adolescente vai tentando perceber diferentes variáveis individuais que o conduzem a um conhecimento mais profundo de si próprio e dos outros.

Ana Beatriz Condinho (psicóloga clínica)

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