Instalou-se uma rotina e, erradamente, a chamada proteção gástrica estendeu-se como uma moda. As embalagens vendem-se aos milhares e, não raros caos, sem conhecimento dos efeitos secundários, nem avaliação da real eficácia. Os Inibidores da Bomba de Protões são medicamentos que inibem a secreção gástrica no estômago e não devem ser vistos como uma proteção para tudo e todos

O omeprazol (medicamento que diminui a secreção ácida do estômago) e outros com o mesmo efeito e da mesma família prazol – (pantoprazol, lanzoprazol, rabeprazol e esomeprazol) são conhecidos há cerca de 40 anos e, desde então, representaram um avanço importante no tratamento da úlcera gástrica e duodenal e do refluxo gastro esofágico (azia).

Estes medicamentos são isso mesmo, medicamentos e designados como Inibidores da Bomba de Protões (IBP), já que é através deste mecanismo que inibem a secreção do ácido no estômago. Frequentemente, os utilizadores deste tipo de medicamentos, chamam-lhe “protetor gástrico” (do estômago), quando afinal é, e só, um medicamento que reduz a acidez produzida pelo estômago e, não tem qualquer ação direta na mucosa. E, isto não é pouco, já que com este mecanismo de diminuir a produção do ácido, atenua ou elimina a sensação de azia e, também a inflamação que possa ter no esófago – a esofagite. Aliás, a maior percentagem da utilização destes medicamentos é no refluxo gastro esofágico, que origina a azia e a esofagite.

Por outro lado, a diminuição do ácido provoca a cicatrização de úlceras no estômago e no duodeno (a primeira parte do intestino delgado), mas não a cura. Nos doentes com úlceras gástricas e/ou duodenais, portadores da bactéria Helicobacter Pylori, devem fazer tratamento com um dos IBP citados, a par com os antibióticos, ficando – habitualmente – curados definitivamente da úlcera no estômago e duodeno.

Ficou assim provada – há décadas – a importância dos IBP na prática médica do refluxo gastro esofágico e úlceras gástricas e duodenais e, a partir daí, evitaram-se as centenas de cirurgias ao estômago que eram realizadas mensalmente em Portugal. A questão que agora se põe passa por avaliar os possíveis efeitos adversos deste medicamento, sobretudo nos tratamentos prolongados – para além de um ano.

Vamos falar desses efeitos:

  • Osteoporose (sobretudo nas mulheres) que pode originar fraturas na anca, punho e coluna;
  • Deficiência de vitamina B12, pela redução da absorção;
  • Deficiência de magnésio;
  • Pólipos benignos no estômago (frequente);
  • Nefrite intersticial aguda (doença nos rins) – raro;
  • Maior índice de demência nos idosos;
  • Infeções por bactérias intestinais, já que estes medicamentos diminuem a acidez no estômago, o que pode originar desequilíbrios nas bactérias do intestino;
  • Interferência com testes laboratoriais para pesquisa de tumores neuroendrónicos;
  • Lúpus eritematoso cutâneo subagudo (LECS).

Foi para este reverso da medalha que o Infarmed já alertou a população em geral, em comunicado datado de 3 de março de 2017, numa altura em que se venderam (pelo menos) sete milhões de embalagens de IBP em Portugal, mais 30% que em 2010. De então e até hoje, desconhecemos se o número de venda de embalagens se alterou, mas é conhecido que a venda livre (sem prescrição médica) existe para embalagens com 14 comprimidos.

A informação partilhada pelo Infarmed já alertava para o facto de, não raras vezes, estes Inibidores da Bomba de Protões serem reconhecidos pelo público em geral como “protetores gástricos”, o que na realidade cria uma falsa imagem. Acrescente-se ainda que grande parte destes medicamentos são tomados sem controlo médico, às vezes durante anos seguidos e, quanto mais tempo durar a toma dos IBP, maior a probabilidade dos efeitos secundários acontecerem.

As recomendações do Infarmed já apontavam para a necessidade de utilização de uma dose mínima efetiva e durante o menos tempo possível, sugerindo avaliações periódicas deste tratamento. Era ainda sugerido que, quando se conclui que esta terapêutica deixa de ser necessária, a sua interrupção deve ser gradual, diminuindo a dose. Nos tratamentos crónicos e para confirmar a necessidade de manutenção terapêutica, deverá ser feita uma avaliação do diagnóstico, verificando-se se produziu ou não alterações.

Há sempre a possibilidade, se for necessário, de mudar dos IBP para outros medicamentos, como os antiácidos ou outros que ajudam a modificar a secreção gástrica, reajustar a sua alimentação e se for o caso, deixar de fumar… Aliás, o tabagismo e o excesso de peso devem ser regras gerais, tal como o consumo de fritos ou outras gorduras, os citrinos e as bebidas gaseificadas e as bebidas alcoólicas. Também ajuda e muito – sobretudo se tiver refluxo gastro esofágico – deitar-se 3 horas depois de jantar; não consumir refeições muito abundantes ou usar vestuário apertado no abdómen.

Os IBP são um medicamento e visam tratar patologias específicas, durante um período de tempo que o médico assistente deve estabelecer, sendo necessário uma revisão e avaliação da sua eficácia, não devendo por isso ser tomados sem prescrição médica e sem supervisão clínica. Elimine a prática de os tomar sempre que sentir uma indisposição, com o argumento de que está a usar um protetor gástrico.

Hermano Gouveia
(Médico, Gastroenterologista

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