Ver bem é muito mais do que receber uma classificação de 10/10. É preciso perceber se a imagem está focada, se as cores são reais, se existe nitidez e se o contraste é o certo. Hoje, a oftalmologia fornece informação clínica detalhada, tal como também pode prever uma futura perda de visão ou distorção de imagens. Os exames de diagnóstico permitiram-nos estes acessos extraordinários, basta que o doente se deixe “fotografar”

A extensão da nossa sobrevida tornou-nos mais exigentes. Queremos atingir idades mais avançadas com a melhor qualidade de vida possível e essa meta passa pela nossa independência física, mental e, consequentemente, por ter uma boa visão. Este é o sentido mais importante na adaptação ao meio que nos rodeia, tão só porque é fundamental para a autonomia no desempenho de todas as nossas atividades diárias, sejam elas de lazer ou laborais. Os mais afortunados pela Natureza podem ter este dom de forma inata, sem que tenham tido necessidade de pensar ou “trabalhar” para o alcançar. “Sorte”, “bons” genes ou saúde serão alguns dos inúmeros fatores que estarão na base de uma boa visão.

Este sentido, tão complexo, envolve íntimas relações entre a luz, os globos oculares e o cérebro. Os estímulos luminosos têm de atravessar várias estruturas e meios translúcidos dos globos oculares para serem projetados na retina, onde são transformados em estímulos nervosos. Seguidamente são conduzidos para os nervos óticos e, através de múltiplas vias óticas intracranianas, atingirão o córtex occipital, onde se formará a imagem. Incrivelmente, também as influências culturais, as experiências prévias e o humor influenciam a forma como vemos…

Com tantos elementos a ter em conta, como poderemos avaliar adequadamente a nossa visão? Será suficiente uma consulta de refração, mais comummente conhecida por consulta “dos óculos”? Será certamente importante, mas deveremos ficar satisfeitos e tranquilos com uma avaliação exclusiva da acuidade visual?

Quando dizemos que um doente tem uma acuidade visual de 10/10, fica definida a quantidade e estamos a referimo-nos somente a que, nas condições de luz de um consultório e a uma distância de 6 metros de uma tabela de optótipos (escalas de letras, números ou grafismos), o doente consegue ler os símbolos correspondentes a 100%. Mas tal não significa que veja nítido, focado, com as cores reais ou com o contraste certo, ou seja, qual a qualidade dessa mesma visão. Também não exclui uma doença grave assintomática que possa levar a perda de visão a curto ou longo prazo, como um descolamento de retina periférico ou um glaucoma.

Nas consultas de oftalmologia conseguimos aliar a tecnologia imagiológica ao diagnóstico e à documentação, fundamental para o registo e para o acompanhamento da evolução clínica de diferentes patologias. Não basta olhar, é preciso ver! Os exames de diagnóstico ajudam-nos a descodificar tudo isso. Após obter a história clínica, iniciamos com um “varrimento” do segmento anterior (sendo possível visualizar a córnea, a câmara anterior, a íris e o cristalino), com o registo fotográfico realizado pelo oftalmologista.

Procede-se, seguidamente, à documentação do segmento posterior (com acesso virtual à cavidade vítrea, à retina e nervo ótico), documentado também fotograficamente por engenheiros biomédicos. Com a retinografia obtida pelo Optomap conseguimos fotografar o fundo ocular numa amplitude de 200º, o que nos permite visualizar a retina periférica, com deteção de rasgaduras, descolamentos de retina e schisis localizadas ou alterações vasculares.

A obtenção de “cortes” em perfil, com tomografia de coerência ótica (OCT), de forma não invasiva, da área macular, a zona mais “nobre” da retina onde se forma a visão central, permite-nos ter um acesso extraordinário às várias camadas. Podemos visualizar buracos maculares e membranas epirretinianas ainda numa fase inicial, permitindo propor uma intervenção antes do doente desenvolver perda de visão.

Para além deste rastreio obtido de forma “estática”, a ciência atual ainda nos permite fazer estudos funcionais, com o auxílio da microperimetria e visumetria, sendo apenas necessária a colaboração da pessoa em observação para identificar luzes de diferente intensidade e símbolos na área macular. Valores abaixo do normal standardizado podem indicar patologia ocular ou até a deteção de outras doenças, como tumores intracranianos.

Mesmo em doentes assintomáticos, isto é, que não apresentam queixas visuais atuais, encontramos com alguma frequência elementos sugestivos de patologias inflamatórias, infeciosas ou traumáticas minor prévias. Doenças degenerativas em evolução, como o glaucoma, podem ser rastreadas aquando da observação de escavações aumentadas do disco ótico, com OCT, que também deteta se existe uma alteração das fibras nervosas.

Estando estes exames ao acesso de todos os que nos procuram e após a explicação da sua mais-valia, mas também da sua inocuidade, basta ter disponibilidade para se deixar documentar e, em troca, receber a melhor informação clínica. Se após este “simples” rastreio não lhe forem solicitados meios de diagnóstico mais específicos (campos visuais, topografia corneana, ou angiografia fluoresceínica, entre outros), e não lhe for detetada qualquer patologia estará, certamente, no grupo dos mais afortunados pela Natureza, os que olham e veem bem.

Ana Sofia Travassos
(Médica Oftalmologista)

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