O excesso de tempo que as crianças passam à frente de écrans ajuda a explicar porque há tantas crianças cada vez mais míopes. Travar o aumento da progressão começa a ser um caminho que importa percorrer e as atividades ao ar livre continuam a ser uma recomendação fulcral. As lentes com nova tecnologia e o tratamento farmacológico são promissoras, mas…
A miopia é uma patologia muito conhecida de todos e tem centrado as atenções nos últimos anos, particularmente na pós-pandemia. Cada vez parece haver mais míopes e os míopes estão a ficar cada vez com maior miopia. Sabemos as repercussões que a miopia poderá vir a causar na idade adulta, muitas vezes em idade ativa. Glaucoma, cataratas, alguns tipos de estrabismos e principalmente doenças da retina, como descolamentos e neovascularização coroideia, são mais frequentes na população miópica (ainda mais nos muito míopes).
Por estes factos, controlar a progressão da miopia infantil e tentar impedir que o erro refrativo atinja valores demasiado elevados deve ser uma preocupação para pais e oftalmologistas.
No entanto, poderá surgir a dúvida sobre quem devemos tratar e quando. Atualmente, o consenso será que todas as crianças míopes em progressão devem ter a oportunidade de receber algum tipo de tratamento. Este deverá passar primeiramente pela adoção de mudanças comportamentais, em concreto, maior atividade ao ar livre, particularmente em horas de exposição a luz solar natural.
Há mesmo recomendações que apontam para que as crianças devam passar 2 a 3 horas por dia nessas condições e que o ideal seria que fosse próximo do meio-dia, particularmente no Inverno, altura em que a luminosidade é maior… Por isso, se quiser controlar a miopia do seu filho, leve-o para a rua! (como já temos vindo a recomendar!)
Sabemos que na Índia, por exemplo, muitas crianças míopes são filhas de pais não míopes e quase exclusivamente vivem em ambientes urbanos. Por outro lado, colegas indianos referem que quase não se encontram crianças míopes nas populações rurais… Podemos então concluir que os fatores ambientais têm um peso importante no aparecimento e progressão da miopia.
Os fatores genéticos também são muito importantes, é certo e é sabido que o risco de uma criança ser míope aumenta muito se um dos progenitores for míope, mais ainda se ambos o forem. Nestes casos – de forte carga hereditária – oferecer tratamento para procurar travar a progressão miópica deve estar na linha da frente do pensamento do oftalmologista pediátrico.
Também é verdade que muito se fala da exposição excessiva das crianças aos écrans. É um tema que faz até correr muita tinta, quer para adultos – A Fábrica de Cretinos Digitais, Michel Desmurget – quer para crianças – O Estranhão,
Livro 15: A Máquina de Fazer Estúpidos, Álvaro Magalhães. Aparentemente há muitas crianças e adolescentes que passam mais de 6-7 horas diárias de olhos cravados no ecrã! Isto é bem mais do que as horas que os “ratos de biblioteca” passavam com os olhos afundados em livros, no passado…
Uma meta-análise recente concluiu que o uso excessivo de smart devices contribuía para o aumento da miopia. Se isso acontece só por si ou se é pela alteração comportamental associada, com menor atividade ao ar livre, ainda é desconhecido e difícil provar. O facto é que a utilização de dispositivos digitais pelas crianças, em idades cada vez mais jovens, certamente contribuirá para o agravar da situação e deve colocar à sociedade questões no sentido de perceber se este é o caminho certo…
Em 2022 ficou disponível em Portugal um tipo de lente especialmente desenhada para travar a progressão da miopia infantil. Trata-se de uma lente com tecnologia conhecida por D.I.M.S. (Defocus Incorporated Multisegment Spectacle lenses). Em redor de uma zonal focal central monofocal de 9 mm de diâmetro, encontram-se dispostos – aleatoriamente – múltiplos pequenos círculos de cerca de 1 mm com graduação diferente, o que permite regular a focagem da imagem periférica da retina.
Pensa-se que desta forma o crescimento axial do globo ocular seja mais moderado e, consequentemente, trave o aumento da graduação. A utilização deste tipo de lente é suportada por estudos asiáticos, que demonstraram uma eficácia superior a 50% na progressão miópica e já existem também trabalhos europeus que corroboram os achados anteriores.
As lentes com a tecnologia H.A.L. (Highly Aspherical Lenslet), em que pequenos círculos de segmentos de lente são dispostos em anéis circularmente em redor da zona monofocal central, parecem conseguir obter resultados pelo menos tão bons, como os descritos para as lentes D.I.M.S. Entretanto também foram surgindo outras lentes concorrentes, com desenhos diferentes procurando sempre o mesmo objetivo.
Existe ainda um tratamento com lentes de contacto especiais para o controlo da miopia, mas que só pode ser aplicado em alguns casos e geralmente em crianças mais velhas.
Hoje, também temos disponível um tratamento farmacológico, em que um colírio, especificamente manipulado para o efeito, é utilizado diariamente em ambos os olhos para o controlo do crescimento axial do olho e, consequentemente, do aumento da miopia. Se a utilização deste colírio já nos permitiu controlar muitos casos, estudos recentes apontam resultados mais promissores para o uso concomitante com as lentes dos óculos atrás referidas.
Mas a história desta gotinha poderá ficar para outra edição… Não perca!
Rui Tavares,
Médico Oftalmologista
Até que idade estas tecnologias podem ajudar? Tenho um filho com 25 anos com miopia e estrabismo, já foi operado com 2 anos mas a correção ao estrabismo não resultou bem, algo mais a fazer?
ReplyBom dia, o Dr. Rui Tavares esclarece que “estas estratégias tentam atrasar ou evitar a progressão da miopia, com o objetivo fundamental de evitar complicações relacionadas com as miopias mais elevadas na idade adulta. Desconheço o caso em concreto, obviamente, mas há estrabismos associados à alta miopia que podem ser tratados, mas em que o impacto destas lentes e estratégias não é aplicável.”
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