Implacáveis, calculistas, astutos, oportunistas e especialistas na sabotagem de outras espécies invasoras. Não, não é o que está a pensar. Falamos de velhos amigos que também podem ser grandes carrascos, ao menor sinal de fraqueza. São os fungos…

Há cerca de 1.000 milhões de anos apareceram no planeta Terra as criaturas mais adaptadas e astutas que conhecemos até hoje. Seres oportunistas que se sustentam exclusivamente de matéria orgânica: seja em simbiose, parasitismo ou da sua decomposição – os fungos.

Já existia, nesses tempos, na Terra, uma população de seres vivos primitivos, constituída por bactérias, algas e microrganismos com 2.500 milhões de anos de convivência. E foi essa imensa massa de vida que permitiu o aparecimento desse novo tipo de criaturas. Mais tarde, os fungos assistiram ao aparecimento das plantas (há 700 milhões) e dos animais (há 500 milhões) na Terra.

A sua antecipação permitiu-lhes ocupar um papel de controlador central de toda a atividade viva no planeta. Aprenderam a controlar toda a informação natural, a ler todos os códigos evolutivos, a identificar todos os sinais de vigor ou de fraqueza. E são implacáveis na decisão: escolhem sempre a opção que lhes é favorável.

No subsolo, na superfície terrestre ou convivendo com as células dos organismos vivos (plantas ou animais) os fungos estão em todo lado! Podem ser unicelulares ou seres com quilómetros de extensão. Habitantes naturais do solo, onde são responsáveis pela decomposição de matéria orgânica, constroem redes de comunicação constituindo uma via super-rápida para tráfego de dados, que coloca em contacto uma grande população de plantas diversas e dispersas.

Cerca de 90% das plantas terrestres têm uma relação simbiótica com fungos. Com esta simbiose, as plantas recebem carboidratos, fósforo e nitrogênio dos fungos, que também as ajudam a extrair água do solo, mas acima de tudo, recebem informação. Essa rede é uma “internet natural” do planeta Terra.

Algumas plantas “comunicam entre si” para formar uma espécie de sabotagem a espécies invasoras. Ou seja, as plantas não só usam a “internet natural” para compartilhar nutrientes, mas também para formar um “conluio” contra doenças. Mas assim como a internet humana, a internet natural também possui seu lado negro. A nossa internet reduz a privacidade e facilita crimes e a disseminação de vírus. A internet natural faz com que algumas árvores soltem toxinas na rede para combater plantas que roubam recursos. Esta internet das árvores permite até o reconhecimento entre parentes e a proteção das descendentes pelas anciãs. Mas os fungos colonizam também as pessoas.

E, também com os humanos, os fungos desenvolveram relações complexas que vão para além do aproveitamento de material orgânico de descamação (micoses). É conhecida a sua busca por lugares quentes e húmidos do corpo humano para se abrigarem. Geralmente, instalam-se na pele, couro cabeludo e unhas.

Mas o fungo é calculista, pode passar anos como comensal antes de provocar doenças. O fungo sabe identificar as características do hospedeiro (o seu potencial imunitário, as suas características genéticas), analisar o ambiente e aproveitar quando lhe é favorável.

Existem fungos comensais nos intestinos que produzem ativamente proteínas que estimulam as células imunitárias. Mas também pode passar despercebido pelo sistema imunológico, ou então se já dessensibilizou o sistema imunitário pode deixar-se detetar para o corpo do hospedeiro o reconhecer e não o atacar. Assim, e em troca de não ser expulso do intestino, o fungo ajuda o corpo a responder mais rapidamente e a combater a infeção contra vários micróbios.

Por outro lado, os fungos podem desenvolver vias de sinalização que desempenham um papel fundamental na proliferação, diferenciação e sobrevivência de células tumorais, sendo as alterações à expressão genética nestas vias altamente prevalentes em vários tipos de tumor (ex.: células do cancro da cabeça e pescoço e da cavidade oral, são estimuladas por metabolitos de biofilmes do fungo Candida albicans).

Apercebendo-se da fraqueza do hospedeiro, quando os biofilmes se desenvolvem, produzem metabolitos que alteram a resposta imunológica e podem facilitar a inflamação crónica e mesmo a produção de substâncias cancerígenas.

No interface entre a vida e a morte, os fungos são criaturas dissimuladas, parceiros amigáveis e imprescindíveis na manutenção da saúde do planeta, dos seres vivos e dos humanos, mas carrascos implacáveis ao menor sinal de fraqueza!

Luís Filipe Silva
(Médico, Otorrinolaringologista)

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