Vivem ao contrário e a noite passa a ser o dia. O trabalho por turnos contraria o relógio biológico e os efeitos na qualidade e quantidade do sono acabam por se revelar. Mas, podem ser contrariados…
Trocar o dia pela noite, implica, necessariamente contrariar o relógio biológico, que é inato e está programado para que, enquanto espécie, os humanos funcionem durante o dia e durmam à noite. O trabalho por turnos exige mudança de hábitos, mas também impõe o cumprimento de algumas regras que podem evitar os danos da desregulação biológica.
O problema começa quase sempre porque a troca do dia pela noite nunca é uma troca efetiva. Ou seja, a permuta não é total. A resposta ao trabalho noturno nem sempre é a mais eficaz, começando pelo incumprimento de regras e horários, seja nas refeições, seja no número de horas de sono efetivo. Durante o dia, esses trabalhadores “tentam dormir”, mas nem sempre conseguem atingir o objetivo de forma eficaz. Com o tempo, o sono acaba por ficar desorganizado, o risco de insónia aumenta e há uma maior disposição para problemas físicos e emocionais.
Diversos estudos já identificaram algumas alterações dos efeitos do trabalho noturno e, hoje, é assumido que esta alteração biológica proporciona um incremento de problemas intestinais (úlcera gástrica, cólon irritável), cancro (aumento do risco de cancro da mama, ovárico, colo-rectal e da próstata; problemas cardiovasculares (hipertensão arterial, doença coronária, enfarte miocárdio), depressão e risco de acidentes profissionais ou de viação, ligados à sonolência, mas também na produtividade, por absentismo ou propensão a erros que afetam a capacidade de desempenho. Para a Organização Mundial de Saúde, o trabalho por turnos é “eventualmente carcinogénico”. Fica a dúvida, mas também a necessidade de atenção redobrada na vigilância por uma melhor saúde.
Vamos fixar-nos apenas no sono e, de entre todos os estudos científicos realizados e válidos, concluiu-se que o trabalho por turnos afeta a qualidade e a quantidade do sono. Em média, a troca do dia pela noite, nunca é efetiva e acaba por resultar em apenas 4 a 7 horas de sono. Além da privação do sono, ainda devemos juntar o despertar precoce, cansaço ao despertar e a inevitável interferência dos fatores ambientais na qualidade do sono durante o dia como, por exemplo, o ruído.
O trabalho por turnos é responsável por um distúrbio do sono específico caracterizado essencialmente por insónia e sonolência diurna excessiva e que pode afetar até 10 % destes trabalhadores. Contudo, também existe variabilidade individual aos efeitos do trabalho por turnos e, neste caso específico, é importante o cronotipo, isto é, o padrão individual sono-vigília de cada um. Ou seja, os indivíduos do tipo “vespertino”, também chamados de “mochos” ou com atraso de fase (aqueles que só sentem necessidade de dormir tarde na noite), toleram melhor o trabalho noturno que os indivíduos do tipo “matutino”, (os “cotovias” ou com avanço de fase).
Num e noutro caso é importante reter que a alteração dos ritmos biológicos vai obrigar a um esforço de adaptação, exigindo como resposta o cumprimento de regras e de horários, que possam ajudar a combater os efeitos desta desregulação. A alimentação regular não deve ser menosprezada, sendo sugerida uma refeição leve durante a noite, mas também no final do turno do trabalho diurno, constituída essencialmente por vegetais, fruta, legumes queijo magro e ovos, devendo evitar-se os produtos açucarados.
Antes de trabalhar é recomendada uma sesta de 30 minutos a 2 horas, para evitar a sonolência no período de trabalho noturno, mas também preconizamos que devem ser permitidas pequenas sestas (até 30 minutos) durante o período de trabalho noturno. Por outro lado, no período de descanso não deixam de ser imprescindíveis as 7 a 8 horas de sono, que não devem ser interrompidas e, de preferência, devem acontecer com ausência de ruído. Em algumas situações ainda pode ser necessária uma intervenção terapêutica, que pode incluir terapia com luz, melatonina ou terapia cognitivo-comportamental.
José Moutinho
(Pneumologista com competência em Medicina do Sono pela OM)
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