Sempre que alguém envelhece, a catarata acaba por ser uma doença quase inevitável. Neste caso, a solução é cirúrgica e devolve a visão. Mas, o envelhecimento só por si, acaba por ser um fator de risco para outras doenças oculares graves e com risco de perda de visão, como o glaucoma e a degenerescência macular

O aumento da esperança média de vida tem induzido um incremento do número de pessoas com deficiência visual. Em 2021, a OMS (Organização Mundial de Saúde) afirmava que mais de um quarto da população tinha deficiência visual. Incluíram-se aqui as doenças oculares graves, com ou sem tratamento, mas também os erros refrativos não corrigidos.

A realidade atual permite a criação de modelos que projetam o que se pode esperar num futuro não muito longe. Assim e, por exemplo, o número de pessoas com glaucoma ocular foi projetado para aumentar 1,3 vezes entre 2020 (76 milhões) e 2030 (95,4 milhões) e os casos de degenerescência macular relacionada com a idade têm uma projeção de aumento de 1,2 vezes entre 2020 (195,6 milhões) e 2030 (243,3 milhões).

Comecemos pelo risco de desenvolver catarata, que está intimamente relacionado com o avanço da idade. É necessário avaliar se a catarata é a única patologia responsável pela baixa acuidade visual, ou se há outra patologia ocular associada e que possa também contribuir, ou até ser mais relevante, para a perda de visão. 

Hoje, os equipamentos que temos disponíveis permitem-nos fazer esse tipo de diagnóstico e, simultaneamente, prever em 99% qual a probabilidade de recuperação funcional de um olho que vai ser sujeito a cirurgia de catarata. O resultado desta intervenção está sempre dependente do estudo das estruturas oculares pré-cirurgicamente, da capacidade e treino do cirurgião, do cumprimento das terapêuticas, cuidados pós-operatórios instituídos e da própria cicatrização.

Se a catarata se tornar muito densa pode levar a uma perda de visão muito significativa, com visões abaixo dos 0,5/10, de contagem de dedos ou de vultos. Nestas situações não adianta mudar as lentes dos óculos. A solução é cirúrgica e consiste na substituição de uma lente orgânica “envelhecida” por uma lente intraocular artificial. A visão melhora se as estruturas intraoculares como a córnea, a área macular e o disco ótico não tiverem outras patologias associadas.

Se neste caso é possível reverter uma situação de cegueira curável (no caso das cataratas muito densas), noutros, o prognóstico visual pode ser bem mais reservado. Há limites para as intervenções e para a medicina.

Há doenças oculares que são mais frequentes com o avanço da idade. Algumas são apenas incomodativas, como o “olho seco” (ardor, lacrimejo e desconforto frequente), a presbiopia (dificuldade de ver ao perto) ou o descolamento de vítreo; outras são mais graves e exigem cuidados e vigilância acrescidos, pelo risco de perda irreversível de visão.

A degenerescência macular relacionada com a idade e o glaucoma são patologias que podem acompanhar o envelhecimento e que têm um significativo potencial de cegueira, pela baixa possibilidade de recuperar a visão nos casos avançados. Por isso mesmo é fundamental fazer diagnósticos precoces e atempados em consultas de rotina de oftalmologia, para se tentar atrasar a progressão deste tipo de doença.

A DMI (Degenerescência Macular da Idade) afeta a parte central da retina – a mácula – a zona do interior do olho que é responsável pela visão detalhada. Manchas escuras/ sombras fixas e distorção da visão central são alguns dos sintomas. O risco de desenvolver DMI aumenta com a idade e sabe-se hoje que o tabagismo é um fator de risco para o aparecimento desta patologia. As injeções de anti-VEGF podem ser uma solução possível nas complicações associadas às formas “húmidas” (quando apresentam edema e descolamento seroso, com alteração da arquitetura das camadas da retina) desta doença.

Junte-se ainda o glaucoma, uma doença que tem um enorme potencial de causar cegueira e que progride de uma forma silenciosa. Inicialmente, a perda de visão não é percetível, porque compromete habitualmente a visão periférica, mas os danos no nervo ótico vão avançando de forma progressiva. 

A deteção de glaucoma pode ser feita de forma precoce, quando se observa o fundo ocular numa consulta. Depois, os exames complementares irão permitir confirmar o diagnóstico e a severidade do glaucoma. Se a pressão ocular for elevada, é recomendado que os valores baixem para retardar a velocidade de progressão da doença. Nos glaucomas de tensão normal, os colírios anti-hipertensivos podem reduzir as flutuações diárias da pressão ocular, além do efeito na progressão da doença.

Por fim, o aumento crescente da obesidade, associada a hábitos alimentares incorretos e ao sedentarismo, têm levado a um aumento significativo da Diabetes tipo 2 e, consequentemente da retinopatia diabética, um efeito da evolução da Diabetes mal controlada metabolicamente.

Na retinopatia diabética os valores elevados da glicémia levam a danos graves nos vasos sanguíneos, com isquemia (falta de aporte sanguíneo aos tecidos) e de exsudação lipoproteica para as camadas da retina, com edema dos tecidos. Se esse edema estiver localizado na mácula e/ou se existir um crescimento de vasos sanguíneos anormais (nas áreas isquémicas), a qualidade visual fica comprometida.

Se existir uma hemorragia para o vítreo significativa, muitas vezes associada à toma de antiagregantes e anticoagulantes para redução de eventos tromboembólicos em idades avançadas, a perda de visão pode ser grave. Nestas situações, a vitrectomia permite retirar o sangue presente na cavidade posterior do olho e tratar as áreas isquémicas com laser, no mesmo procedimento cirúrgico. 

A evolução da retinopatia diabética pode ser retardada com um controlo metabólico rigoroso. O rastreio anual é altamente recomendado.

Envelhecer não se traduz necessariamente em patologia ocular obrigatória. Mas cursa com alterações das estruturas e da funcionalidade dos diferentes tecidos. Uma alimentação adequada, a prática de exercício físico apropriado à condição física e o controlo dos fatores de risco tromboembólicos ajudam a sermos mais saudáveis.

As consultas de rotina devem servir, não só para mudar as graduações dos óculos ou das lentes de contacto, mas também para avaliar as estruturas, identificar fatores de risco e as doenças em estádios precoces, de forma a ser possível tratá-las ou atrasar a sua progressão.

O desenvolvimento da tecnologia tem-nos permitido fazer diagnósticos mais rigorosos, mas o tratamento terá sempre melhores resultados se as doenças forem diagnosticadas mais precocemente.

Ana Sofia Travassos
(Médica, Oftalmologista)

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