A administração de fármacos injetados diretamente no globo ocular não é a panaceia para as várias doenças oftalmológicas, mas pode travar o avanço de algumas. Há critérios de seleção e também diferentes medicamentos e esquemas terapêuticos. Os efeitos do tratamento devem ser avaliados
As injeções intravítreas de fármacos são administradas na cavidade posterior do globo ocular, que está preenchida por um gel, denominado vítreo. O seu uso generalizou-se por permitir atingir uma maior concentração de fármaco intraocular, inicialmente no vítreo (e, posteriormente, no tecido retiniano).
Se a via de administração desse medicamento fosse oral ou intravenosa, a dose a fornecer teria de ser mais elevada, para atingir um efeito semelhante no olho (devido à distribuição do fármaco por outros órgãos). Assim, através das injeções intravítreas, é possível alcançar um efeito máximo desejável, com uma redução significativa de efeitos sistémicos adversos.
Os fármacos injetados sobre esta forma fazem parte de dois grupos principais:
- Anti-angiogénicos
- Corticoides.
Os primeiros são anticorpos monoclonais e inibem o fator de crescimento do endotélio vascular. Inicialmente foram utilizados em oncologia, tendo passado a ter novas indicações, nomeadamente em oftalmologia, a partir de 2005, e com provas dadas em inúmeros casos clínicos tratados no Centro Cirúrgico de Coimbra. Estes anticorpos reduzem a formação de vasos novos e diminuem a permeabilidade dos vasos doentes (reduzindo o extravasamento vascular).
São moléculas especialmente úteis no tratamento de várias doenças retinianas, como a doença macular relacionada com a idade, a trombose venosa, a retinopatia diabética e a membrana neovascular entre outras. Estas doenças podem desenvolver edema macular e/ou descolamento seroso (com acumulação de “líquido” na retina), com alteração morfológica e funcional das camadas retinianas, mas também podem desencadear um crescimento anómalo de vasos sanguíneos na retina. Habitualmente, o efeito dos anti-angiogénicos tem uma duração curta, de cerca de 1-1,5 meses, o que pode implicar a necessidade de novas injeções.
O segundo grupo farmacológico, os corticoides, também pode ter indicação nas patologias referidas anteriormente, porque parecem ter igualmente efeito na redução da exsudação vascular e, simultaneamente, podem ser úteis em situações em que é necessário também um efeito anti-inflamatório. Neste caso, a duração de ação terapêutica pode rondar os 3 meses. Mas, apesar da duração do efeito dos corticoides poder ser mais longo, existe uma maior probabilidade de causar hipertensão ocular e facilitar o aparecimento de catarata. Estes riscos aumentam se for necessário mais do que uma injeção.
Eficácia variável
Em ambos os grupos de fármacos os tempos de duração de efeito e a eficácia são variáveis e estão muito dependentes da gravidade da doença subjacente quando diagnosticada, dos tratamentos prévios, da resposta individual e da existência ou não de patologias concomitantes, entre outros fatores. A escolha entre os dois grupos farmacológicos deve, por isso, ser individualizada e discutida entre o médico e o doente.
Os sintomas que podem sugerir a necessidade de injeções são a perda de acuidade visual, frequentemente associada à sensação de metamorfópsias (visão “distorcida” ou deformada). Conforme a gravidade e o estadio da doença subjacente, as injeções podem melhorar a acuidade visual, mas noutras situações o tratamento justifica-se – principalmente – para tentar manter a acuidade visual e evitar que a situação agrave.
A decisão sobre a necessidade de fazer injeções intravítreas deve ser apoiada com exames imagiológicos, nomeadamente com base em um OCT (tomografia de coerência ótica), que permite avaliar a presença de líquido entre as camadas retinianas. A angiografia fluoresceínica (exame que recorre ao contraste e que permite avaliar diferentes tempos de preenchimento dos vasos retinianos) pode também ser necessária, para avaliar a presença e localização dos vasos doentes, devido ao extravasamento do contraste. O OCT fornece principalmente dados morfológicos e a angiografia permite obter informação funcional dos vasos sanguíneos.
Documentar para decidir
É difícil prever o número de injeções necessárias para cada doente, porque isso depende da resposta dos tecidos doentes aos fármacos injetados e da manutenção dessa mesma resposta, após suspender as injeções. Essa resposta deve ser sempre documentada e fundamentada por OCT, o exame que nos permite avaliar a recuperação, a manutenção ou o agravamento anatómico. Nalguns casos clínicos os doentes podem precisar de injeções mensais (no caso de utilização dos antiangiogénicos), enquanto noutros casos pode ser aplicado um esquema de tratamento com intervalos que vão aumentando gradualmente, com base na manutenção do efeito.
Administração e cuidados prévios
As injeções intravítreas devem ser administradas em ambiente estéril, no bloco operatório, sob anestesia tópica. São geralmente indolores, apesar de o doente poder sentir algum desconforto. Os doentes não devem usar lentes de contacto, nem maquilhagem, na semana prévia à injeção, para reduzir o risco de infeção.
Possíveis complicações
As complicações associadas às injeções intravítreas incluem situações minor, como hemorragia subconjuntivais, desconforto ocular, hipertensão e condensações móveis-“floaters”. São geralmente transitórios e de resolução espontânea. O desconforto ocular pode melhorar com lágrimas artificiais. Muito mais raramente pode ocorrer hemovítreo (hemorragia na cavidade vítrea com perda visual), inflamação intraocular, hipertensão severa (mais frequente em doentes com glaucoma), descolamento da retina e endoftalmite (infeção grave dos tecidos oculares). Os tratamentos destas situações podem implicar cirurgia, quando não controlados medicamente. Os doentes devem, por isso, estar alertados para os sinais de alarme como visão turva, dores fortes, sensibilidade marcada à luz e inflamação ocular nos dias seguintes à injeção, e contactar o oftalmologista com a maior brevidade possível.
É fundamental que o tratamento com injeções intravítreas seja discutido com os doentes, esclarecendo sempre os efeitos pretendidos e as limitações da atuação do fármaco. É essencial que este tipo de tratamento seja personalizado, não só na escolha do fármaco, mas também no esquema mais adequado, conforme a resposta terapêutica e a manutenção do efeito pretendido.
Sofia Travassos
(Médica, Oftalmologista)
Uma revolução terapêutica que começou em Coimbra
O dia 17 de dezembro de 2005 marca a data em que pela primeira vez no mundo um bebé prematuro recebeu este tipo de tratamento. A dose foi reduzida (e muito) para 0,03 mililitros e o medicamento disponível na época era o debevacizumab.
A solução foi apresentada no Centro Cirúrgico de Coimbra e era a única possível para contornar o problema vascular daquela criança. Desde aí, a oftalmologia passou a contar com novas ferramentas terapêuticas, os chamados anti-VEGF’s. O medicamento foi utilizado como off-label, ou seja, tinha uma indicação terapêutica diferente daquela para a qual tinha sido aprovado. A medicina baseada na evidência ainda dava os primeiros passos.
Os Estados Unidos foram pioneiros na aplicação desta nova terapêutica, mas apenas em olhos de adultos. A primeira vez que foi utilizada em crianças foi em Portugal e em Coimbra. Aquilo que hoje se designa por injeções intravítreas começou assim. Passaram 19 anos.
Explicação sucinta e muito esclarecedora sobre este inovador tratamento ocular. Pena é que não seja mais duradouro. Obrigado Dra. Sofia Travassos. Que Deus a proteja sempre.
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