O que mudou na medicina? Muito, imenso. Hoje, o médico pode ter certezas. Antigamente suspeitava, tentava adivinhar. Os sons do estetoscópio e o RX eram os únicos instrumentos de avaliação. Hoje, vamos muito além. A ciência empurrou-nos para esse novo destino.

Antigamente morria-se de doença ruim, sem nome ou por culpa de uma epidemia que seria o flagelo da época. Morria-se em casa, entre rezas e um último caldo, feito com a última galinha da capoeira. Médicos, hospitais, estradas e meios de transporte e/ou ambulâncias eram coisas raras. Para adivinhar o que passava dentro do corpo humano existia o estetoscópio, o RX e pouco mais. Há 100 anos, a medicina era assim.

Foi preciso abrir caminho. Primeiro só com o bisturi e tentar acertar no diagnóstico e na cura. Depois e, cada vez mais, com a ajuda de terceiros. A tecnologia entra, obrigatoriamente, nesta história. E se, hoje, desafiamos o processo da seleção natural, é à ciência que o devemos. A pílula anticoncecional revolucionou a sociedade da década de 60 e o sarampo ou a difteria deixaram de ser doenças mortais.

As vacinas mudaram a esperança de vida e as crianças podiam, mais facilmente, chegar a adultos. Os medicamentos afirmavam-se como um potencial elevado. A insulina e os antibióticos já tinham denunciado a sua eficácia. As poções e as mezinhas tinham os dias contados. A evolução levou-nos para o oposto e, hoje, acredita-se que há um comprimido para tudo, para as dores, para emagrecer, para a tristeza, a memória, a inteligência… Na prática, não é bem assim.

Aos poucos, os avanços, na anestesia e antibióticos, ajudaram a desbravar os caminhos da cirurgia. O coração deixou de ser intocável porque se conseguiu a circulação extracorpórea. O transplante de órgãos passou a ser uma solução e a medicina começou a afirmar-se numa base científica. Tinha suporte para isso e a captação de imagens ajudou a dar certezas. O RX deixou de ser o único método. A tomografia, a ecografia, a ressonância, os lasers… permitiram o diagnóstico de lesões, que antes não eram detetadas e, mais recentemente, é a fibra ótica que ajuda a conhecer e a desbravar os novos caminhos.

Hoje, espreita-se primeiro e mexe-se depois, com muito mais certeza e com intervenções muito menos invasivas, protegendo as áreas ou tecidos que estão à volta. Os instrumentos cirúrgicos diminuíram de tamanho e os microscópios transformam o micro em mini.

As engenharias têm estado a ajudar este bem-estar humano que nos permite ir mais além. Criam-se implantes, cristalinos artificiais, reconstroem-se articulações e começa-se a testar as réplicas de peças humanas impressas em 3D.

Para o futuro, as esperanças continuam depositadas nos avanços e capacidades da engenharia genética, da física, da matemática, biotecnologia e bioquímica. A medicina só poderá evoluir se acompanhar estas parcerias e cumprir essa espécie de sina que começou a ser traçada no século XX.

Para o amanhã, admite-se que os nano robots terão um desempenho importante. Ontem, apenas o estetoscópio tentava adivinhar e interpretar o interior não visível. Hoje, já nem sabemos se cumpre o desempenho para o qual foi concebido. Sabemos que quem o exibe é médico. Amanhã será possível fazer medicina sem tocar no doente. E o doente irá confiar em alguém tão distante?

António Travassos

(médico oftalmologista)

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