Nuns casos, evidenciam-se apenas umas “moscas”, que se destacam em ambientes luminosos ou quando olhamos para paredes brancas. Noutros, podem surgir moscas e luzes repentinas e, num terceiro caso, a invasão do líquido acaba por descolar a retina. Três diagnósticos, três soluções que importam perceber

O descolamento de retina é, possivelmente, um dos diagnósticos mais temidos no âmbito da Oftalmologia, mas a apreensão que gera não supera o desconhecimento da patologia e do que a desencadeia.

Em primeiro lugar, importa referir que existem três principais tipos de descolamento de retina: regmatogénico, de tração e exsudativo. Aquele que nos interessa aqui contextualizar é o regmatogénico, que é o mais comum e que se encontra associado à perda de integridade da retina, na forma de uma rasgadura ou buraco. Os outros tipos são menos comuns e ocorrem mais frequentemente em olhos com patologia prévia ou em indivíduos com doença sistémica.

Interessa-nos saber o que leva a um descolamento de retina deste tipo, mas em primeiro lugar é necessário entender a origem das rasgaduras. Em todos os globos oculares ocorre um processo natural / fisiológico de senescência (envelhecimento) das suas estruturas.

No caso do humor vítreo, o “gel” que preenche grande parte do segmento posterior do olho, acontece uma alteração na sua constituição que condiciona a sua organização. Portanto, um vítreo jovem preenche a quase totalidade do interior do globo ocular, encontrando-se aderente à retina em algumas zonas específicas. O passar dos anos condiciona esta organização de que falámos, o que leva a que este gel se vá descolando da retina lentamente – um processo fisiológico e transversal à generalidade da população e a que chamamos “descolamento do vítreo”.

Rasgadura em ferradura na retina periférica inferior (à esquerda) e após o tratamento com laser (à direita)

Esta entidade clínica não raras vezes é assintomática. No entanto, o indivíduo pode-se confrontar com sintomas, como por exemplo miodesópsias (vulgarmente descritas como moscas volantes, farrapos, ou teias de aranha) ou fotópsias (sensação subjetiva de flashes ou relâmpagos). As moscas volantes correspondem a condensações do humor vítreo que nos parecem escuras porque se interpõem entre a luz natural que nos entra na pupila e a nossa retina. Por esse motivo são mais frequentemente notadas em ambientes luminosos ou quando olhamos paredes brancas, por exemplo.

Já as fotópsias indiciam uma tração do humor vítreo sobre a retina, quando o vítreo se descola. É, por assim dizer, o modo que a retina tem de nos manifestar “dor”.

Na maior parte das vezes, um descolamento do vítreo não tem uma rasgadura ou buraco retiniano associado e, ocorrendo isoladamente, não carece de tratamento. No entanto, as forças de tração exercidas pelo humor vítreo podem ocorrer de forma anómala ou mais intensa e traumatizar a retina, criando uma solução de continuidade entre o interior do globo ocular (cavidade vítrea) e o espaço sub-retiniano – buraco ou rasgadura.

O tratamento destas lesões envolve regularmente a realização de fotocoagulação por laser, que pelas suas características foto-térmicas leva a uma “adesão” da retina às camadas mais profundas.

Uma perda de integridade da retina, que coloque em contacto a cavidade do humor vítreo com o espaço sub-retiniano, tem o potencial de provocar um descolamento de retina. Os riscos são, no entanto, diferentes conforme as características da lesão: as características anatómicas de uma rasgadura têm maior propensão quando comparadas com as de um buraco, por exemplo.

O que acontece, então, é a passagem desse líquido da cavidade vítrea para o espaço sub-retiniano descolando a retina. Este evento traduz-se por um sintoma que normalmente se descreve como uma sombra ou cortina que se abate sobre o eixo visual.

Encontrando-se a retina descolada, o tratamento isolado com laser já não é possível, sendo imprescindível uma cirurgia. Com esta intervenção cirúrgica conseguimos: 1) corte e aspiração do humor vítreo, o que é não só necessário à cirurgia mas também porque ajuda a diminuir futuras trações vítreo-retinianas e, consequentemente, o risco de novas rasgaduras; 2) drenagem do líquido sub-retiniano acumulado, assegurando a reaplicação da retina 3) realização de laser no buraco ou rasgadura, prevenindo recorrências; 4) introdução de uma mistura de gás no globo ocular que, pelo seu efeito volumétrico, assegura o correto posicionamento da retina durante a recuperação.

Estes três diagnósticos são um contínuo e traduzem um processo de senescência do globo ocular que é fisiológico (descolamento do humor vítreo), mas que pode acontecer de forma anómala e provocar rasgaduras e consequentemente descolamentos de retina.

A auto-monitorização de sintomas é a forma mais eficaz de atuar atempadamente, pelo que se recomenda que indivíduos que notem aparecimento de moscas volantes (iniciais ou em acrescento a outras já existentes), fotópsias, ou uma amputação do campo visual em cortina sejam observados por oftalmologista numa curta janela temporal, após o início da sintomatologia.

Descolamento da retina com rasgadura na retina periférica temporal (em cima) e após intervenção cirúrgica (em baixo)

Marco Marques
(Médico Oftalmologista)

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