É durante o “sono dos sonhos” que as crianças podem ter pesadelos. Ou seja, um sonho com conteúdo aterrorizador. A diferença entre realidade e sonho pode não ser percetível no imediato, mas o medo e a ansiedade são bem reais. O que os pais podem fazer?

Que mãe ou pai nunca acordou durante a noite ou pela manhã confrontado/a com a queixa de um sonho mau ou um pesadelo do seu filho ou filha? Não serão muitos os que podem colocar a mão no ar, já que os sonhos maus ou pesadelos são frequentes na infância.

Cerca de 75% das crianças teve ou terá alguma vez um pesadelo. Começam a manifestar-se a partir dos 2 anos de idade, o seu pico de incidência ronda os 6 anos e pelos 10 – 11 anos começam a diminuir de frequência, embora se possam prolongar pela adolescência e mesmo até à idade adulta. Habitualmente são ocasionais, muito menos frequentemente tornam-se recorrentes.

O que é um pesadelo?

O sono de uma noite distribui-se por vários ciclos com dois tipos de sono: sono não REM e sono REM. Este último, em que há uma maior atividade cerebral e a predominar na segunda metade da noite, é o “sono dos sonhos”, altura em que são mais frequentes os pesadelos. Um pesadelo consiste num sonho de conteúdo atemorizador, que habitualmente acorda a criança, deixando-a perturbada e ansiosa, com necessidade de ser confortada. 

O conteúdo dos sonhos envolve medo, ansiedade, sensação de insegurança ou zanga, variando muito com a idade da criança e o seu grau de desenvolvimento e imaginação. O receio de que o pesadelo se repita dificulta-lhe voltar a adormecer.

Nas crianças mais pequenas, os pesadelos envolvem frequentemente monstros, fantasmas ou outros eventos ameaçadores como o terem-se perdido ou a agressão por animais. As crianças maiores são mais sensibilizadas por histórias, filmes ou imagens televisivas assustadoras ou por eventos traumáticos como a ida para uma nova escola, bullying, conflitos familiares ou até a própria situação atual de pandemia COVID – 19.

Hábitos de sono irregulares com poucas horas de sono, uma ou outra doença (como a apneia de sono) ou até a toma de algum tipo de medicamentos podem facilitar a ocorrência dos pesadelos. As crianças mais pequenas têm dificuldade em distinguir o sonho da realidade e quando acordam acham que essa coisa assustadora continua presente. Necessitam de conforto e que lhes seja transmitida segurança. As crianças maiores, quando acordam estão perfeitamente conscientes e conseguem relatar o sonho com pormenor, distinguindo o que é imaginário do que é realidade, embora continuem a manifestar algum grau de ansiedade ou medo.

Quando os pesadelos se tornam muito frequentes, podem surgir algumas repercussões no dia-a-dia da criança, como alterações do humor, sonolência, hiperatividade, diminuição do desempenho escolar e podem levar a que surja resistência na hora do deitar 

Como ajudar o seu filho?

1. O que deve fazer

  • Atenda ao chamamento do seu filho, ouça-o e preste-lhe toda a sua atenção à sensação de medo com que ele acordou. Ele pode não conseguir ainda distinguir o sonho/ imaginário da realidade;
  • Sente-se ao lado dele e tente explicar-lhe que, durante o sono, imaginamos coisas que não são verdadeiras;
  • Tente acalmá-lo com suavidade, acarinhando-o até que volte a adormecer;
  • A presença de um objeto de companhia (ursinho, boneca, mantinha, …) pode ajudá-lo a sentir-se mais protegido;
  • Se necessário, deixe uma luz de presença ligada e a porta do quarto aberta;
  • Certifique-se de que o seu filho dorme o tempo adequado à sua idade.

2. Como reduzir a ocorrência de pesadelos?

  • Evite histórias, imagens, jogos, ou filmes que possam transmitir sensações assustadoras, pelo menos nas horas que antecedem o deitar;
  • Procure uma rotina de deitar calma e relaxante – com uma história adaptada à idade da criança e/ou uma música suave e algumas técnicas de relaxamento, se necessário;
  • Habitue, desde cedo, o seu filho a ser autónomo no processo de adormecimento – a dormir no quarto e na cama dele;
  • Se os pesadelos forem muito frequentes, tente aplicar algumas estratégias no dia seguinte: – fale com ele sobre o que sonhou para que juntos possam desmistificar os seus medos;
  • Sugira-lhe que desenhe o que o assustou, que amarrote o papel e que o deite fora (“vamos deitar fora o pesadelo!”);
  • Imagine com ele um fim diferente, mais agradável, para o seu pesadelo (por exemplo em que ele sai vencedor).
  • Se os pesadelos perdurarem durante algum tempo, forem frequentes ou repetitivos (sempre o mesmo assunto) e persistirem apesar das medidas básicas, tente saber se alguma coisa o anda a perturbar/preocupar e encare a necessidade de recorrer ao médico assistente ou a uma consulta de especialidade.

3. O que não deve fazer?

  • Não desvalorize a situação de medo/ansiedade em que a criança acorda (não diga “foi só um pesadelo”. Para a criança um pesadelo é um evento assustador);
  • Não se zangue com ele, ele não tem culpa, e a sua atitude de tensão só pode aumentar a ansiedade da criança;
  • Não o leve para a sua cama para não lhe passar a mensagem de que aí estará mais seguro. 

Um pesadelo é o mesmo que um terror noturno?

É importante não confundir o pesadelo com um terror noturno (o que acontece com alguma frequência), porque implicam abordagens diferentes por parte dos pais O terror noturno é característico do sono não REM e portanto de mais provável ocorrência na primeira metade da noite. Trata-se de um evento bastante mais turbulento, já que a criança se levanta e por vezes até anda e fala, de olhos muito abertos e esbugalhados, parecendo no entanto não estar a ver o que a rodeia. Pode estar suada, ofegante, com o coração numa corrida e não aceita ser consolada chegando a reagir com agressividade. Encontra-se num turbilhão fisiológico, que geralmente dura menos de 10 minutos, que assusta quem o presencia, mas de que a criança nem se vai lembrar.

Neste caso, a atitude mais correta é conduzir a criança calmamente para a cama de modo a evitar que acorde. Se acordar não se vai sentir bem, porque estará agitada, com o coração a cavalgar e confusa por não perceber o que lhe está a acontecer. No dia seguinte, a melhor atitude será nem falar no episódio porque a criança não vai ter qualquer recordação. A avó ou o avô recordarão que acontecia o mesmo a outros familiares quando eram pequenos, já que nos terrores noturnos é frequente a componente hereditária.

Note que os pesadelos fazem parte do normal desenvolvimento da criança e só preocupam se se tornarem muito frequentes, se prolongarem por muito tempo e/ou tiverem repercussão no dia-a-dia da criança. Sendo importante que as regras de higiene do sono estejam a ser cumpridas, deve-se tentar identificar se existe algum fator que esteja a desencadear a situação, considerando a possibilidade de fazer uma avaliação por um profissional de saúde.

Maria Helena Estêvão
(Pediatra com competência em Medicina do Sono)

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