É um exame essencial (um gold standard) para a avaliação, diagnóstico, decisão terapêutica e monitorização dos doentes com patologia da retina e permite estabelecer ou confirmar um diagnóstico. A angiografia fluoresceínica é o exame de eleição para visualizar a circulação interna coroideia e retiniana

A angiografia fluoresceínica (AF) é um exame de diagnóstico que permite avaliar de forma qualitativa a circulação sanguínea da retina e coroide, após a administração intravenosa de um produto de contraste (fluoresceína sódica), seguida da aquisição rápida de fotografias do fundo ocular. As imagens seriadas são obtidas recorrendo a uma fonte de iluminação e uma câmara fotográfica do fundo ocular (de flash ou, mais recentemente, digital), equipada com uma combinação de filtros específicos.

Esta história começou em 1959, quando dois estudantes de medicina da Universidade de Indiana nos EUA, Harold Novotny e David Alvis, sob a orientação de John Hickam, chairman do departamento de Medicina, começaram a trabalhar num projeto para estimar a concentração de oxigénio nos vasos da retina, tendo desenvolvido os meios técnicos que viriam a permitir fotografar fluorescência nos vasos da retina usando um corante fluorescente – a fluoresceína.

Ditou a sorte, após disputa de cara/coroa, que Alvis fosse o primeiro humano a realizar com sucesso uma angiografia fluoresceínica (AF). No entanto, o artigo científico que escreveram foi rejeitado para publicação no American Journal of Ophthalmology, por alegada falta de originalidade, tendo sido publicado apenas em 1961, pelo jornal de patologia cardiovascular Circulation. Posteriormente, o reconhecimento do enorme contributo científico que representou o uso da angiografia fluoresceínica na compreensão e diagnóstico das doenças da retina e mácula mereceu, por parte do editor que rejeitara o manuscrito, um pedido de desculpas público.

Rapidamente, a AF tornou-se um exame essencial (um gold standard) para a avaliação, diagnóstico, decisão terapêutica e monitorização dos doentes com patologia da retina, no âmbito da prática e da investigação clínica. A evolução da técnica de aquisição fotográfica, a introdução da imagem digital e o desenvolvimento de softwares informáticos, para seleção e processamento das imagens, melhoraram substancialmente a segurança, fiabilidade e reprodutibilidade do procedimento.

Preparação e complicações

Antes de ponderar a realização de uma AF, é importante obter a história clínica médica do doente e registar a medicação concomitante. São particularmente relevantes os antecedentes de hipertensão arterial, patologia cardíaca, asma brônquica e alergias prévias, nomeadamente à fluoresceína ou a outros produtos de contraste. O procedimento está contraindicado em doentes com alergia a produtos de contraste e durante a gravidez.

A dilatação das pupilas que é induzida pode afetar a visão e aumentar a sensibilidade à luz durante um período de até 12 horas, pelo que o doente deve vir acompanhado no dia do exame – não deve conduzir, e poderá beneficiar se usar óculos escuros. Adicionalmente, as lentes de contacto devem ser removidas antes da realização do exame.

Após a realização do exame, a pele e mucosas podem adquirir uma coloração amarelada que, em geral, desaparece decorridas 24h-48h; igualmente, a urina também apresentará uma coloração mais amarela, durante 24-36h, dado que o corante é excretado no rim e eliminado pela urina.

A AF também tem alguns riscos, podendo ocorrer reações adversas, em geral ligeiras e autolimitadas. As reações mais comuns são náuseas, vómitos e prurido, descritas em menos de 5% dos doentes. Raramente pode ocorrer uma situação mais grave, anafilaxia (1:50 000), motivo pelo qual o exame deve ser realizado em meio hospitalar, adequadamente preparado para resolver as complicações que possam surgir. Notavelmente, os avanços da técnica angiográfica têm permitido reduzir a dose de fluoresceína e assim reduzir a incidência das reações adversas.

Procedimento e interpretação das imagens

Para proceder à realização da AF é necessário dilatar as pupilas com a instilação de colírios midriáticos. O corante fluoresceína é então injetado por via intravenosa, habitualmente numa veia antecubital. O angiógrafo projeta uma luz branca que entra no olho, através dos filtros do sistema, pelo que apenas a luz azul ilumina a retina e é absorvida pelas moléculas livres de fluoresceína, que emitem uma luz amarela-verde, captada e registada pelo sistema. As imagens são adquiridas imediatamente, após a injeção do corante na veia e durante um período de aproximadamente 10 minutos, dependendo da patologia em estudo. O registo das imagens é feito em formato digital. A duração deste exame não excede, em geral, os 30 minutos.

A aquisição rápida e seriada das imagens (que tem início logo após a injeção do contraste) permite documentar as várias fases da AF, que incluem, sequencialmente, o preenchimento dos vasos coroideus, das artérias retinianas, das veias retinianas, a recirculação do corante e, por fim, a fase tardia do exame. A integração das alterações observadas com a fase do angiograma em que ocorrem é muito importante para a correta compreensão e interpretação do exame.

Na retina, o endotélio dos vasos possui a barreira hemato-retiniana (BHR), uma estrutura particularmente rígida e restritiva, e que constitui uma barreira fisiológica que regula o fluxo de substâncias (iões, proteínas, água…) para dentro e para fora da retina. A integridade da BHR é essencial para manter a integridade estrutural da retina, impedindo a acumulação de substâncias anómalas, nomeadamente liquido ou lipoproteínas, que condicionam alterações estruturais e, posteriormente, perda da sua função e da visão. No decurso da AF, o extravasamento de fluoresceína para a retina traduz a presença de alteração da barreira hemato-retiniana, que pode ser focal ou difusa, associada a um processo patológico, ocular ou sistémico, em curso.

Para a interpretação e classificação das imagens de AF, as alterações observadas nas várias fases do exame são categorizadas em 3 padrões: autofluorescência – fluorescência observada antes da injeção do contraste; hipofluorescência – diminuição ou ausência de fluorescência; hiperfluorescência, que pode ocorrer por excesso de corante, nas situações de “derrame”, “acumulação”, “impregnação”, ou associada à presença de um “defeito janela”.

Confirmar diagnósticos

A AF permite estabelecer ou confirmar um diagnóstico, auxiliar na decisão terapêutica e monitorizar a resposta ao tratamento de inúmeras patologias da retina. As principais indicações para a sua realização incluem:

  • Doenças da Mácula – em particular a avaliação da degenerescência macular da idade (DMI), principal causa de perda irreversível de visão em indivíduos com mais de 50 anos nos países desenvolvidos;
  • Diabetes mellitus e retinopatia diabética (RD) – a RD é a complicação mais frequente e grave da diabetes e a principal causa evitável de perda de acuidade visual e cegueira, em adultos em idade laboral e no mundo ocidental;
  • Patologia vascular da retina – em particular a avaliação das oclusões venosas da retina, a segunda causa de perda visual por patologia vascular retiniana, após a RD;
  • Doenças inflamatórias;
  • Distrofias retinianas e coroideias
  • Tumores da retina e da coroide.

Nos últimos anos, a AF contribuiu de forma essencial e única para a compreensão de muitos processos patológicos da retina, nomeadamente para o esclarecimento da sua fisiopatologia, diagnóstico e diagnóstico diferencial, análise de fatores de prognóstico e avaliação de resposta ao tratamento, na prática clínica e na investigação clínica.

No início deste século, a introdução da tomografia de coerência ótica (OCT) e do OCT-angiografia, exames não invasivos e de aquisição rápida, diminuíram o número de AF realizadas, mas não a substituíram.

Atualmente, a AF continua a ser o método de eleição para visualizar a circulação coroideia e retiniana e uma ferramenta importante no âmbito da imagiologia multimodal do fundo ocular, para o estudo completo das doenças da retina, a bem da visão e do doente.

Isabel Pires
(Médica Oftalmologista)

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