Em março de 2020 ficámos a perceber melhor quanto vale um abraço ou um beijo. Passados três anos ainda selecionamos quem merece esse beijo ou abraço guardado e que nos desenlaçou.
Em março de 2020 ficámos todos a saber que os lares deste país não eram para velhos. Passados três anos continuamos com essa certeza. Nada mudou.
Em março de 2020 percebemos que a única porta verdadeiramente aberta era a das Urgências dos hospitais. Passados três anos é para lá que ainda vão todos os que não têm respostas, mas a porta começa a ficar apenas entreaberta.
Em março de 2020 percebemos que as cidades ficavam bonitas e mais puras sem carros. Passados três anos batem-se todos os recordes de venda de carros em Portugal (elétricos, é certo…).
Em março de 2020 aprendemos a andar de máscara. Passados três anos, ainda há quem tenha de trabalhar com ela. Há um mundo fora dos hospitais e centros de saúde e um outro mundo dentro desses hospitais e centros de saúde. O COVID-19 já quase não anda em nenhum desses mundos, mas as razões que foram apresentadas há 3 anos atrás, mantêm-se válidas hoje, em março de 2023.
Em março de 2020, as visitas aos doentes eram persona non grata. Passados três anos mantêm-se nessa categoria. Nos hospitais públicos, a lógica da prevenção insiste na teoria de uma visita (com marcação prévia) por dia e durante 30 minutos… O resto fica à distância de um ecrã (se o tiver, claro).
Em março de 2020, esvaziavam-se as prateleiras de supermercados, com medo da escassez. Passados três anos, as prateleiras estão quase cheias (com exceção dos ovos), mas esvaziam-se as carteiras.
Em março de 2020 a ameaça não se via, andava no ar. Passados três anos, a ameaça entra todos os dias em nossa casa, com as notícias da guerra quente e fria.
Em março de 2020 os mercados financeiros pararam. Passados três anos, a senhora Lagarde quer que a economia europeia desacelere.
Em março de 2020 fechou-se tudo em casa. Passados três anos, já não há casas para todos.
Aprendemos mesmo alguma coisa?
António Travassos
(Médico, Oftalmologista)
Dr. António Travassos, que maravilha e verdadeira esta sua analogia do ano de 2020 e o presente ano. É sempre bom ler as tuas palavras e comentários. Obrigado.
ReplyMais uma vez, um excelente e objetivo texto, comparação imbatível, nem a Pordata faria melhor, só complicava.
ReplyObrigada por mais este, é por isso que gosto de o ler.
…. A fragilidade das coisas.
ReplyExcelente análise!