Pode ser as duas. Basicamente, uma infeção pode inflamar, mas uma inflamação não é uma infeção. A resistência aos antibióticos passa pela necessidade de reunir todas as ferramentas que ajudem a distinguir estas duas entidades.

Ao fim de um dia de consulta externa, posso dizer sem exagerar que em todos, ou quase todos os doentes, a questão da distinção entre inflamação e infeção, se colocou. Porque não refletir sobre o assunto? É de facto importante distinguir entre ambas? Provavelmente o leitor consegue responder já que sim, claro que é. Quando um dia teve uma dor de garganta, foi importante saber se era uma infeção ou “só” uma inflamação.

Convido-o a começar pelo mais fácil: a definição de cada um dos termos. Procurando no dicionário, inflamação é “uma resposta do organismo a uma infeção ou lesão dos tecidos vivos”. Infeção é “a invasão de tecidos corporais de um organismo hospedeiro por parte de organismos capazes de provocar doenças”. Parece ficar claro. Infeção é uma agressão externa, inflamação é a resposta do nosso organismo.

Na prática não é assim tão simples. A inflamação é uma resposta biológica extremamente complexa dos nossos tecidos, e ocorre como resposta a um variado número de estímulos, desde microrganismos patogénicos, substâncias irritantes, alérgenos, ou lesão tecidular. Ou até por desregulação do sistema imune, em que o organismo reage contra ele próprio. O objetivo do nosso corpo, ao desencadear a reação inflamatória, é proteger-se; tentar remover o mecanismo irritativo ou de lesão, e iniciar o processo de cicatrização.

Infeção + inflamação

Já a infeção, por seu lado, ocorre quando microrganismos capazes de causar doença conseguem invadir os tecidos orgânicos, multiplicar-se e desencadear um contra ataque do organismo invadido.

Os agentes agressores causadores de infeção podem ser bactérias, vírus, priões, parasitas. Em todo o caso, perante uma agressão e multiplicação, o nosso organismo reage numa primeira fase de forma inata e estereotipada, através de processos e mediadores comuns a todas as reações, e só posteriormente de forma adaptada, específica para cada microrganismo. Essa reação inicial não específica é inflamação.

Concluímos que a infeção cursa quase sempre acompanhada por inflamação; o inverso não acontece – embora o processo inflamatório, alterando a imunidade local e geral, possa predispor à infeção. O que na prática significa que, quando existe inflamação, somos sempre obrigados a excluir a presença de uma infeção; e que quando tratamos uma infeção temos que ter em conta o processo inflamatório causado por ela.

Discutir os mecanismos fisiológicos envolvidos é assunto para longas conversas, mas reconhecer que os dois processos não são sinónimos, e não podem ser utilizados como tal, é essencial.

E este é o momento em que importa cada vez mais fazer a distinção entre as duas entidades ou processos. Numa altura em que a resistência a fármacos é maior, nomeadamente aos antibióticos, e tendo em conta a hipersensibilidades, os efeitos secundários e as interações entre medicamentos, é importante abordar cada doente da forma mais correta e segura.


Bactérias resistentes

Devemos ter presente que as bactérias resistentes vão-se disseminando e, mesmo que nunca tenha tomado antibióticos em toda a vida, pode vir a ser infetado por uma bactéria multirresistente.

A inflamação tem 4 sinais cardeais classicamente descritos, os famosos sinais de Celsius; são eles: dor, calor, rubor (vermelhidão), edema (inchaço), aos quais se pode acrescentar a perda de função. Estes sinais, uma definição “antiga”, descrita em todos os manuais de medicina desde há séculos, permanecem atuais. A sua presença alerta para a doença e para a necessidade de procurar cuidados médicos. A inflamação na área da ORL é muito comum; causa dor, edema, vermelhidão, calor, e perda de função. Um ouvido inflamado, infetado ou não, ouve mal; o nariz inflamado, infetado ou não, fica obstruído; a laringe inflamada, infetada ou não, deixa-nos sem voz.

No mundo das “(…) ites”

Em todos estes casos, estamos então perante uma “(…)ite”. Uma otite, uma rinite ou rinossinusite, uma laringite. O que não significa, que estejamos perante uma infeção. A inflamação pode ser causada por qualquer outra agressão; por um traumatismo, por um tumor, ou por um agente irritante. Por vezes a história clínica é clara, e o próprio doente reconhece e consegue nomear o fator desencadeante.

Quando não é assim, o exame físico pode ser diagnóstico – vemos a lesão traumática, uma massa tumoral, um corpo estranho, um abcesso, secreções
purulentas. Noutros casos, são os elementos da história clínica que nos orientam. Por exemplo, o contacto prévio com alguém portador de infeção diagnosticada; a presença de sintomas sistémicos, como febre, dores musculares generalizadas, mal-estar geral.

Mas, não raramente, é mesmo muito difícil. Porque se há microrganismos cujo processo infecioso cursa com sinais óbvios – o mais comum é a presença de exsudato purulento na infeção por algumas bactérias – outros há que causam apenas um processo inflamatório que em nada se distingue do que pode ser causado por uma alergia ou um processo vascular vasomotor (desencadeado por uma mudança brusca de temperatura, por exemplo).

Nesses casos temos que nos socorrer de exames complementares de diagnóstico. Por exemplo, de marcadores sanguíneos sugestivos de infeção – há células sanguíneas específicas que se alteram na presença de determinados agentes infeciosos – ou de proteínas que funcionam como marcadores inflamatórios. Os exames imagiológicos podem ser úteis; se utilizarmos contraste ou marcadores específicos de inflamação ou infeção, por exemplo em medicina nuclear, conseguimos por vezes esclarecer o quadro.

Podemos ainda recorrer a pesquisa de marcadores biológicos e/ou a cultura de microrganismos, em líquidos biológicos como o sangue, a urina, o líquido sinovial das articulações, o líquor crânio encefálico, coleções purulentas, secreções nasais ou pulmonares; ou mesmo em biópsias de tecidos. Serão casos particulares, é verdade. Mas demonstrativos da importância que damos à diferenciação entre estes dois processos. Inflamação não é infeção. Os sintomas, sinais e exames complementares de que dispomos ajudam o médico a fazer essa distinção.


Vera Soares
(Médica, Otorrinolaringologista)

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