O olfato tem uma história que deve ser contada, até porque se não soubermos cheirar também não conseguimos saborear… Comece por inspirar profundamente pelo nariz e deixe-se guiar pelas descodificações que o seu epitélio e os neurónios vão dar às moléculas com odor. As combinações serão únicas e individuais

É o primeiro sentido que utilizamos quando nascemos – o bebé reconhece a mãe pelo cheiro – e um dos cinco sentidos básicos, que nos capacita para cheirar e sentir odores. A influência genética no olfato é inegável, com mais de 5% dos genes presentes no ADN humano permitindo produzir a imensa diversidade de recetores presentes nos neurónios olfativos.

Mas todos os estudos têm demonstrado que ao longo da vida o ambiente, as experiências e os estímulos recebidos vão interagindo com a base genética. O olfato é uma combinação única e individual de cada ser humano. Porque o epitélio olfativo é tudo menos fixo ao longo da vida. É um dos poucos pontos do organismo onde a neurogénese é constante; à fragilidade do epitélio e das células recetoras olfativas contrapõe-se uma incrível capacidade de regeneração; cada neurónio olfativo vive em média 4 a 6 semanas, tempo ao fim do qual é substituído.

A genética determina os tipos de células recetoras que possuímos; mas o ambiente condiciona a quantidade de cada um dos tipos dessas células ao longo da vida.

Muito bem. Inspirem profundamente pelo nariz. Acabámos de iniciar não só o processo respiratório, como o processo do olfato. O nariz utiliza 95% da cavidade nasal para filtrar e aquecer o ar que atravessa a cavidade nasal, mas na região mais posterior do nariz existe um epitélio, o epitélio olfativo, responsável por tudo o que cheiramos.

Esse epitélio contém as referidas células recetoras, neurónios especializados em detetar os cheiros. As moléculas com odor que atingem a região posterior do nariz ficam retidas no muco que recobre as células olfativas recetoras e quando se dissolvem unem-se aos recetores, que enviam a mensagem ao cérebro através do trato olfativo.

Se o investimento humano neste epitélio já é enorme, com os seus cerca de 400 tipos diferentes de recetores, a sua dimensão é relativamente reduzida comparativamente a outros animais; por exemplo, o epitélio olfativo do cão é vinte vezes maior. Mas um adulto consegue distinguir mais de 10 mil cheiros diferentes. Como? Bem, pelas inúmeras combinações possíveis entre os 400 diferentes tipos de recetores e os 40 milhões de neurónios olfativos disponíveis.

Quando uma molécula atinge o epitélio olfativo, estimula alguns recetores, outra molécula estimula outros e outra molécula outros… permitindo-nos sentir uma fantástica gama de cheiros diferentes! Que por sua vez nos permitem sentir um imenso leque de sabores diferentes, porque o gosto depende do paladar: a língua apenas consegue distinguir os sabores doce, salgado, azedo e amargo; todas as outras maravilhosas nuances do nosso paladar dependem do cheiro. Se não podemos cheirar, não podemos saborear.

A ausência de olfato designa-se por anósmia. Mas a patologia do olfato compreende todo um conjunto de alterações que varia desde a perda parcial (hipósmia) até a perceção de um cheiro inexistente (fantósmia), de um cheiro desagradável (cacósmia), de um cheiro distorcido/”errado” (parósmia).

As causas são múltiplas: congénitas, traumáticas – por lesão do epitélio ou da via olfativa, secundárias a doença nasal inflamatória crónica ou aguda, a doença neurológica, a lesão medicamentosa, ao envelhecimento, iatrogénicas. Podem ser permanentes ou temporárias – já todos notamos uma diminuição do olfato durante uma constipação. O edema da mucosa do epitélio olfativo e as alterações do muco nasal são suficientes para enfraquecer o sentido do olfato.

Apesar do seu impacto na qualidade de vida, cada vez mais reconhecido entre a população e mesmo entre a comunidade médica e científica – principalmente desde que se começou a estabelecer associação entre o sentido do olfato e algumas doenças neuro degenerativas – a perda de olfato continua a ser um sintoma/doença algo negligenciado quer por doentes quer por médicos.

Também pela generalização da ideia pré concebida de que não há solução… Não é uma verdade. Como em todas as doenças que dependem de resposta neurológica, há muito que não sabemos sobre o olfato e muitas causas que não conseguimos tratar. Mas há tantas outras em que podemos intervir! Relembro, falamos da única região do nosso organismo em que existe regeneração neurológica ativa permanente.

Se é o primeiro sentido que utilizamos, e a nossa evolução manteve o investimento de ser a única região em que existe renovação neurológica permanente, deve mesmo ser importante, não concordam?

Vera Sofia Soares
(Médica Otorrinolaringologista)

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