Entre os que simplesmente ressonam e os que além de ressonarem sofrem de apneias/hipopneias é frequente existir um fator comum: obesidade. A anatomia e as leis da física explicam-nos porque isso acontece. Sugerimos que comece por medir o perímetro do seu pescoço

Quando pensamos na relação entre obesidade e patologia do sono podemos, de uma forma simplista, englobar no mesmo conjunto os ressonadores simples e os doentes com Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS). Os diversos mecanismos que intercondicionam estas patologias são semelhantes, refletindo-se depois em cada indivíduo, com diferentes níveis de manifestação e gravidade.

A obesidade é, simplesmente, o principal fator associado à roncopatia e à SAOS. Cerca de 70% dos doentes com SAOS são obesos e por cada 10 kg de aumento de peso, o risco de roncopatia/SAOS aumenta 40 a 50%. Acrescente-se que a prevalência de SAOS nos doentes obesos ronda os 40%. Porquê? O principal motivo é mesmo anatómico e obedece às leis da física: a gordura acumulada, especialmente na região do pescoço, ocupa espaço e causa estreitamento da coluna aérea, dificultando a passagem do ar e aumentando a probabilidade de haver vibração das estruturas faríngeas ou mesmo colapso/obstrução durante a respiração.

A medição do perímetro do pescoço faz parte da avaliação de qualquer doente com roncopatia/SAOS. Inclusivamente está incluída na maioria dos testes de screening e de estadiamento de gravidade desta patologia. Uma circunferência cervical superior a 43cm no homem e 40cm na mulher deve ser sinal de alarme.

A distribuição da gordura corporal parece também ser relevante; além da acumulação de gordura nos tecidos cervicais, aumentando o perímetro do pescoço, tem importância a acumulação de gordura retro lingual e retrofaríngea; também a acumulação da gordura visceral – sendo que o mecanismo inverso também se aplica, a SAOS tende a aumentar a acumulação de gordura visceral, mecanismo ainda não totalmente esclarecido.

A SAOS também causa aumento de peso. Sim, este é outro ciclo vicioso conhecido. Não apenas porque aumenta a sonolência e diminui a apetência para a prática de exercício físico, como é óbvio e mais uma vez intuitivo. Mas também porque a hormona que controla o nosso apetite, a leptina, é produzida durante o sono. Quanto pior a quantidade e qualidade do sono, menor a produção de leptina… e maior o apetite.

Todos estes mecanismos são complexos, interagem entre si e ainda não são completamente compreendidos. Cada fator por si pode não condicionar necessariamente a patologia… uma circunferência cervical de 42cm numa mulher não significa a presença de apneia, mas se nessa doente se conjugam amígdalas volumosas, um palato estreito, medicação relaxante para dormir, refluxo gastroesofagolaríngeo… a conjugação dos vários fatores não é aditiva, mas exponencial nalguns doentes.

Certo, certo, é que a obesidade aumenta o risco de aparecimento de patologias do sono. Certo é que as patologias do sono aumentam o risco de obesidade. Certo é que ambas contribuem para o risco de múltiplas patologias metabólicas e cardiovasculares. E certo é que perder peso, não sendo garantia de “cura” para as patologias do sono, pode contribuir para a sua resolução.

Vera Sofia Soares
(Médica, Otorrinolaringologista)

Apneia e roncopatia é tudo o mesmo?


Não. As duas situações acontecem enquanto dormimos e porque respiramos. Uns apenas ressonam, isto é, emitem um ruído durante o sono, provocado pela vibração do palato e paredes da faringe. Na apneia a respiração é interrompida. Quase todos os doentes com Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) ressonam, mas o inverso nem sempre se verifica. Por isso a roncopatia é sempre sinal de alarme para a possibilidade de SAOS.

Pela relevância clínica que tem, a SAOS continua a ser uma entidade alvo de vários estudos, contudo, a roncopatia simples não deve ser menosprezada. Estudos recentes têm vindo a demonstrar a relação entre a roncopatia simples e as diversas alterações metabólicas. 

Confirma-se que ressonar pode não incomodar apenas os vizinhos do lado e ser socialmente desadequado, porque também pode ter consequências fisiológicas. Se quiser aprofundar este tema, sugerimos uma leitura “The relationship between simple snoring and metabolic syndrome: a cross-sectonial study. J. Diabetes res. 2019, de Zou J,Song.

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