Durante muito tempo o nada foi isso mesmo: nada… Até que alguém inventou o zero. E, do nada que o zero foi, fez-se o tudo que o zero é hoje. O tudo ou o nada de um princípio, de uma opinião ou de uma decisão.

Adicionar zero a uma adição ou a uma subtração pode criar uma operação, mas não altera o valor da mesma. Mas adicionar ou subtrair um zero a um algoritmo pode abrir ou fechar um transístor, disparar um míssil ou parar uma vida. É difícil entender a vida de um zero…

Se for um cavalheiro e ceder a direita ao primo mais velho, o 1, não vale nada, mas se for desprovido de etiqueta e ficar à direita deste, pode ser suficiente para chegar a doutor. Triste sorte a de um zero, sempre cheio de problemas de consciência… Aparentemente inócuo, o valor do zero costuma ser medido pela posição que ocupa. Quando quer fazer melhor e se coloca à direita do 1, ofende a esquerda e, quando se coloca à esquerda do vizinho, ajuda a direita e é na mesma mal-entendido.

Apesar de apertado de um lado e do outro, cresceu sem deixar de ter contornos femininos, precisos e provocantes A sua abertura central é um hino à fertilidade feminina, capaz de gerar milhões, criar invejas, comprar opiniões, pagar decisões.

Se essa mesma abertura for masculina poderá abraçar a homossexualidade, a esterilidade e refletir um prazer diferente. Quantos zeros eu conheço que, na balança da vida, oscilam entre a direita e a esquerda, espalham simpatia, falam de tudo e de nada, dizem o que os outros querem ouvir sem dizer nada. Fazem poesia, papagueiam ilusões, simulam ter opiniões e esbarram-se em decisões.

Malfadados os zeros que um país cria e que, apesar da escolaridade obrigatória que as faculdades lhes proporcionam, necessitam da ciência sem imaginação como trampolim… Para a gestão do direito, da saúde, do conhecimento e da cultura. Coitados dos zeros que andam perdidos na política, na filosofia e na moral.

Abençoados os zeros que têm a sorte de encontrar a matemática… A única ciência que os compreende e os faz brilhar. Quem diria? Foi esse cálculo integral que moveu a ciência nos últimos 200 anos. Obrigado Leibniz e Newton. Desde então, o zero, o nada ou o vazio podem coexistir lado a lado com todas as outras partículas diminutas. O Universo é isto.

Da próxima vez que usar o termo: “um zero à esquerda”, vale a pena repensar o que quer mesmo dizer, porque esse mesmo nada pode gerar tudo o resto ou tão só um caminho aberto para chegar ao infinito. Decididamente, o zero é diferente e exige um tremendo exercício de abstração.

António Travassos (Médico Oftalmologista)

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