Considerados vulgares, normais e benignos os sucessivos episódios infeciosos nas crianças e em idade pré-escolar acabam por ter óbvias implicações e um risco futuro de doença de base subdiagnosticada. A persistência dos episódios acaba por comprometer a eficácia da defesa e é nestes casos que as vacinas de ensino permitem reeducar o sistema imunitário. O objetivo passa pelo controlo da doença de base, como as doenças das vias aéreas

As infeções respiratórias no lactente e na criança, na idade pré-escolar, constituem uma das condições mais frequentes, com necessidade de cuidados médicos ou recurso a serviço de urgência, nos países mais desenvolvidos.

Existem muitas circunstâncias que favorecem esse risco infecioso, tanto na via aérea alta como nas vias mais inferiores, brônquios. Em primeiro lugar, as vegetações adenoides importantes numa primeira barreira de defesa do sistema imunitário, podem ser elas próprias local de infeção e determinarem uma obstrução e inflamação de todas as estruturas adjacentes: a fossa nasal, os seios da face, com diminuta dimensão nestas idades (alguns deles ainda em desenvolvimento), ou alterações no arejamento da cavidade timpânica do ouvido.

Também nesta faixa etária, a dimensão dos brônquios é muito reduzida e ocorre com frequência colapso e broncospasmo, face a um estímulo infecioso banal. Acresce que nas atuais condições sociais da nossa população, a frequência de creche e jardim-de-infância é cada vez mais precoce, já que a socialização da criança é desejável para um desenvolvimento harmonioso. Porém, a sobrelotação e/ou a deficiente ventilação das instalações permitem, particularmente em períodos sazonais de Outono e Inverno, uma maior dispersão de agentes patogénicos víricos ou bacterianos no ar ambiente, com óbvias implicações.

As doenças alérgicas, com destaque para a asma e a rinite, estão claramente em prevalências crescentes nesta faixa etária. Tratando-se de doenças caracterizadas por inflamação crónica, esta inflamação é propiciadora de maior risco infecioso que, quando ocorre, tem naturalmente uma maior gravidade clínica que será ampliada se estas crianças não estiverem sob tratamento apropriado.

Lamentavelmente, no lactente e na criança em idade pré-escolar o subdiagnóstico é extremamente frequente, pelo que se desvalorizam muitas situações que deveriam merecer um precoce enquadramento e tratamento, apesar das dificuldades clínicas específicas nestas idades.

No entanto, bronquiolites e sibilâncias de repetição, arrastadas e muitas vezes sem febre, a tosse que persiste muito para além do episódio infecioso ou que agrava após exercício físico, com choro ou mesmo o riso, a obstrução nasal e a respiração oral que persistem, as secreções nasais que se prolongam por semanas ou meses, entre outras, são situações que não poderão ser consideradas normais nem consignadas a uma inevitabilidade própria dessa idade.

Daí que não é razoável que, recorrentemente na prática clínica, sejam reportadas algumas destas queixas:

-“O Rodrigo passa o tempo constipado!”

-“A Rita, nos últimos 3 meses, já tomou 3 antibióticos e continua a tossir”

-“O Bernardo constipou-se há um mês, até fez um antibiótico, mas desde aí a tosse à noite não o deixa dormir”

-“A Maria, desde que entrou para a creche, não respira pelo nariz e tem sempre secreções espessas”

-“O Afonso, desde Outubro, não esteve uma semana seguida no infantário, faz febre com frequência”

-“A Íris, desde os 6 meses até agora (3 anos de idade), tem uma média de uma bronquiolite por mês, só no verão passa melhor”

-“O Martim, sempre que se constipa, desenvolve logo uma crise de pieira e falta de ar e preciso sempre de o levar à urgência. O Inverno é sempre um drama”.

Como anteriormente se mencionou existe um natural risco acrescido de infeções em crianças nestes grupos etários, maior quando presente uma inflamação alérgica. Mas o próprio processo infecioso repetido ou frequente pode ele próprio facilitar uma sensibilização alérgica. Também a flora normal de micro-organismos presentes na mucosa, conhecido por microbioma, pode vir a ser modificado no mau sentido e ter como consequência a formação de biofilmes à superfície da mucosa respiratória. Estes biofilmes são, de forma simplista, umas películas finíssimas contendo no interior gérmenes infeciosos que escapam e resistem à maioria dos tratamentos comuns, encurtando os períodos entre infeções, com óbvias consequências clínicas e, em muitos casos, determinam futuras resistências aos tratamentos.

Entre 4 a 8 episódios infeciosos agudos comuns no período sazonal de outono e inverno, em crianças na idade pré-escolar, são considerados como recorrentes ou frequentes, sendo vulgarmente interpretados como “normais” face à relativa benignidade do quadro. Porém, estes episódios têm óbvias implicações na qualidade de vida da criança e da família, no absentismo, no desenvolvimento, no estado de saúde e no risco futuro de uma doença subjacente, subdiagnosticada, ou mesmo não diagnosticada e por isso mesmo sem um plano de tratamento bem definido.

Naturalmente, face a infeções de maior gravidade e com maiores implicações no estado de saúde, existe uma obrigatoriedade de excluir uma eventual imunodeficiência primária situação que apesar de muito rara exige uma intervenção bastante precoce, complexa e multidisciplinar.

Nesta faixa etária, em crianças com infeções frequentes e que associam sintomas que persistem para além do período agudo, o diagnóstico de doença alérgica deverá ser sempre considerado, particularmente porque em caso de asma e rinite um plano de tratamento tem de ser iniciado e mantido para garantir uma otimização e controlo da inflamação crónica que condiciona os sintomas nasais e brônquicos. Desta forma, poderão ser minimizadas as consequências do estímulo infecioso à superfície das mucosas, não só na gravidade como na duração.

Embora nestas crianças a maioria das infeções sejam de origem vírica, muitas delas vêm a ser colonizadas por bactérias que complicam o processo. Daí que, para além das medidas gerais de controlo ambiental, a atitude social de minimizar risco de contágio, a alimentação diversificada e saudável, entre outras, existem estratégias terapêuticas muito eficazes e seguras que reduzem significativamente o risco de infeção.

O sistema imunitário é fundamental na defesa contra as agressões, nomeadamente a agentes infetantes estranhos. Para isso, para a eficiência desse sistema tem de ocorrer uma plena integridade nos diferentes parâmetros imunológicos. Daí que défices genéticos determinam formas de enorme gravidade clínica, em contexto de imunodeficiências, felizmente muito raras. No entanto, quando as infeções se repetem nas mesmas localizações, os tratamentos instituídos são pouco eficazes ou com duração reduzida, as patologias de base não estão controladas, o microbioma das mucosas é alterado, ocorre colonização crónica com gérmenes patogénicos, a persistência da infeção resulta na formação de biofilmes, o contágio com outras crianças persiste de forma continuada, entre outras, estamos na presença de condições que vêm a comprometer a eficiência do próprio sistema imunitário aos agentes infeciosos, sem qualquer imunodeficiência subjacente.

Dependendo do tipo, da gravidade, da idade, da localização da infeção, ou da doença de base subjacente, os imunomoduladores, designados por vacinas de ensino do sistema imune (trained immunity-based vaccines), permitem uma personalização e individualização da preparação de um extrato de tratamento que irá melhorar as diferentes vertentes imunitárias, não só as mais primárias e inatas de defesa, como também as mais elaboradas, designadas de memória, para permitir uma otimização das suas funções. É verdadeiramente educar o sistema imunitário, num momento em que, estando mais “fragilizado”, não está a cumprir com a sua função de defesa plena.

Estes extratos aquosos são administrados por via sublingual, praticamente ausentes de sabor ou cheiro, muito bem tolerados pelo que são elegíveis para tratamento, sem grandes restrições quanto à idade.

No que diz respeito à segurança, não existem efeitos adversos relevantes ao longo de vários decénios de utilização e as atuais formulações biotecnológicas cumprem os mais elevados requisitos e standards de qualidade.

Este tratamento, paralelo ao controlo das doenças de base, por exemplo asma e/ou rinite, é muito eficaz com manifesta redução na frequência, duração e gravidade das infeções, na redução do consumo de antibióticos, na estabilização da doença de base (sob tratamento), no absentismo escolar e profissional dos pais e/ou cuidadores, na melhoria da qualidade de vida da criança e no seu estado de saúde e desenvolvimento.

Celso Pereira (Médico Imunoalergologista)

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