É uma realidade que só pode ser percebida no seio da relação com os outros. Surge na primeira infância e ajuda-nos a distinguir o certo do errado. É um auxílio na definição dos limites e acaba por orientar o nosso comportamento. Afinal, a vergonha é uma emoção perfeitamente normal.

Quando nos pedem para pensar sobre a questão da vergonha, a primeira ideia que nos surge é a da origem social desta emoção, ou seja, do facto de esta ser uma realidade que só conseguimos perceber no seio das relações com os outros e das interações que daí resultam.

A vergonha estará então relacionada com o não cumprimento de regras e normas, gerando avaliações e julgamentos auto e hetero dirigidos, o que lhe confere qualidades de regulador do nosso comportamento.

Todos nós sentimos necessidade de aprovação social e preocupação com a imagem que transmitimos aos outros. Quando, por alguma razão, percebemos que essa imagem não corresponde a um padrão considerado atrativo e que, de algum modo, transgredimos ou não fomos capazes de cumprir uma norma social desejável, poderá surgir o sentimento de inadequação. Nestas circunstâncias poderá também surgir um auto julgamento: se a realidade social nos indica que não somos detentores das características desejadas para sermos incluídos e admirados (amados), a autoavaliação pode originar a ideia de que não fomos suficientemente “bons”, justificando a vergonha e a culpa e, com frequência, dando origem a atitudes de reparação relativamente ao comportamento de origem destas realidades, tudo numa tentativa de ser aceite.

A vergonha surge no ser humano na primeira infância, momento em que a autocrítica também começa a dar os seus primeiros passos. Serve para ajudar a diferenciar o bem do mal, o certo do errado e ajuda-nos a orientar no estabelecimento de relações saudáveis. Internamente, ajuda-nos a definir limites, o que nos vai dando consciência da necessidade de alterar certos comportamentos e nos vai guiando no crescimento. Esta última questão remete-nos para a função adaptativa da vergonha.

Compreendemos facilmente que ao longo da História da humanidade fomos sendo sujeitos a influências, que originaram novos comportamentos de acordo com o que o social nos foi solicitando. Essas influências têm como resultado o respeito pelas normas sociais e regulam a nossa postura na situação grupal, visando o estabelecimento das relações com base numa imagem adequada e integrada da nossa realidade individual.

Várias são as razões pelas quais nos podemos sentir “envergonhados”, mas a maior parte delas implica a noção de que estamos a ser observados e avaliados pelo outro, havendo uma consequente representação interna dessa avaliação. Quando tomamos consciência dessa realidade despertamos a nossa própria auto avaliação e, muitas vezes, emitimos sinais das emoções que este processo interno está a gerar. Exemplo disso é o ficar corado.

Porque será então que coramos? Corar é uma resposta fisiológica, involuntária que surge muitas vezes em consequência de um comportamento que verificamos não obter aprovação. É a verdadeira concretização da expressão “ter vergonha na cara” e demonstra que a pessoa é capaz de se analisar, reconhecendo a sua falha, o que até pode ser gerador de culpa.

É entendido por muitos como uma forma de comunicação que demonstra o arrependimento e assim ameniza a qualidade das respostas do grupo que mais facilmente pode ser compreensivo e não retaliar. A ideia da reparação do nosso erro surge normalmente após a perceção de que o nosso comportamento não foi bem aceite, que pode ter consequências negativas na forma como nos avaliam e conduz a tentativas de correção da nossa falha podendo também dar origem a algum tipo de evitamento, sem que isso seja considerado desadequado.

A vergonha será então uma emoção perfeitamente normal e até desejável que se experimenta, essencialmente, no seio da relação social e que nos indica caminhos de adequação e inclusão. Ajuda-nos a orientar o nosso comportamento, entendendo os sinais de reprovação e mostrando o que fazer para agradar e manter o amor-próprio.

Compreendemos assim Sartre, quando nos sugere que a vergonha é inevitável à existência humana. Naturalmente, quando a vergonha se sente de um modo exagerado e nos faz sentir excluídos e rejeitados, quando implica a existência permanente de ansiedade, raiva ou auto avaliações negativas constantes, ultrapassamos os limites do desejável e podemos estar a encaminhar-nos para uma zona de total desconforto interno, que pode ter consequências preocupantes no nosso bem-estar. Preocupante será também não sentir vergonha nenhuma, sendo que o equilíbrio está sempre na tentativa de gestão das emoções.

Ana Beatriz Condinho

(psicóloga clínica)

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