Chama-se anedonia e é um sintoma de várias perturbações ou processos emocionais.

Põe em causa a esperança e segue caminho pela indiferença. Não sentir passa a ser o modo de vida de quem não aguenta sofrer

Numa sociedade altamente estimulante e que nos impele a alcançar mais objetivos, sejam eles pessoais, profissionais ou sociais, a norma dita que as pessoas “têm de ser felizes”. Quase como que garantida à priori, a certeza da felicidade parece estar escrita num documento que nos acompanha no momento do nascimento, como se de uma certeza universal se tratasse.

Nessa “viagem até à felicidade”, vamos crescendo e atingindo os tais objetivos, primeiro pela mão dos pais e família alargada, que tudo fazem para que tal se concretize e depois num caminho que o próprio crescimento dita como mais solitário, pois há um momento a partir do qual os nossos entes queridos pouco podem fazer para nos garantir a ausência de sofrimento (que a tal felicidade supostamente pressupõe), mas que é implícito à existência.

Todos nós já passámos por momentos de muito sofrimento, que nada nem ninguém podem impedir e que, obviamente, não se escolhem. O sofrimento faz parte das experiências da vida e, o normal, é que nos teste de quando em vez.

As tristezas são universais e as dores também, embora únicas e individuais. Cada um de nós faz a gestão das suas dificuldades de uma maneira singular e, se é verdade que o desejável é que possamos elaborá-las, também é verdade que há muitos que não o conseguem e, lentamente, entram num processo de rutura com a realidade, por colapso, porque se esgotaram as defesas contra a dor.

O indivíduo esforça-se por sobreviver, deixando de viver. Isola-se de tudo e de todos. Atividades que, anteriormente, eram geradoras de prazer (estar com o outro, sair, ler, ouvir música…) deixam de ter qualquer significado interno e impera o isolamento. Congela as emoções, numa tentativa de não sentir para não sofrer, mas, paradoxalmente, o indivíduo fica refém da dor, muitas vezes, para sempre.

Longe de ser uma realidade da atualidade contemporânea, este estado mental foi referido pela primeira vez no final do século XIX, sendo denominado de anedonia (com referência etimológica a Hedone, deusa grega do prazer, antecedida de “a”, prefixo de negação) e definido, genericamente, como a perda do prazer de viver.

Esta dor, vivida como experiência insuportável, põe em causa a capacidade de manter a esperança e gera um sentimento de inadequação de tal forma forte que só acalma com a total fuga da realidade. O indivíduo torna-se indiferente, perante si mesmo e perante os outros, aconteça o que acontecer.

Se a anedonia se transformar num estado caraterizado pela cronicidade, existirão consequências ao nível das estruturas cerebrais e das suas funções, com consequente alteração dos pensamentos, dos sentimentos, das emoções e da crítica. De uma maneira sucinta, podemos referir que estão descritas alterações de estruturas cerebrais relacionadas com a memória, com a capacidade de tomar decisões e até com a motricidade.

Identificada como um sintoma de várias perturbações ou processos emocionais, a anedonia exige tratamento urgente e adequado já que deteriora a qualidade de vida, do próprio e dos próximos, aumentando pensamentos negativos e inibindo os comportamentos salutares, chegando mesmo a aumentar o risco de suicídio.

Quando associada a quadros bem definidos e diagnosticados, a remissão do sintoma ocorre com o sucesso do processo terapêutico de abordagem à perturbação. Mas, um dos maiores problemas associado ao tratamento da anedonia é que, dificilmente, existe adesão voluntária do paciente, provavelmente, provocada pela tentativa de proteção, perante o confronto com o sofrimento que tal processo exige.

Ana Beatriz Condinho
(Psicóloga Clínica – Psicoterapeuta)

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