Pedras, cristais ou cálculos no sítio errado e, não raras vezes, interrompendo mesmo o circuito normal da urina causa aquilo que se designa clinicamente por litíase urinária. A hidratação com 2 a 3 litros de água por dia continua a ser a melhor forma de prevenção, evitando-se assim uma das mais intensas dores, a cólica renal

Não havendo dados concretos recentes sobre a epidemiologia da litíase no nosso país, estima-se que cerca de 10% de todos os indivíduos adultos sejam diagnosticados ao longo da vida com litíase urinária. É mais frequente nos homens, atualmente numa proporção que se estima de 3:2 relativamente às mulheres.

A formação de cálculos é mais frequente a partir dos 30-50 anos, afetando uma população ativa do ponto de vista laboral, cujo sofrimento se pode revestir de prejuízo profissional, caso não haja um tratamento atempado e eficiente das manifestações desta condição.

Embora a maioria dos indivíduos que tenha presença de litíase no seu trato urinário não sofra habitualmente de sintomas, as dores relacionadas com a litíase urinária contam-se entre as mais intensas alguma vez reportadas pelos doentes. Assim, o aparecimento de sintomas depende essencialmente da localização e do tamanho dos cálculos no trato urinário. As opções para tratamento também se irão refletir sobre isto.

Composição dos cálculos

O cálculo urinário é uma formação dura e mineralizada, habitualmente móvel, que se forma no interior do aparelho urinário. A maioria é de oxalato de cálcio, mas também são frequentes as várias formas de fosfato de cálcio. A litíase de ácido úrico é cada vez mais prevalente na Europa; a sua incidência é variável, tendo sido reportadas entre 10% de todos os cálculos no Norte da Europa e até 30% em Israel. Devido ao aumento da incidência de síndromes metabólicos, crê-se que a sua incidência esteja a aumentar.

Sintomas

Se o cálculo estiver localizado aos cálices renais, habitualmente, não causa sintomas. Alguns doentes reportam uma dor surda, de características inespecíficas, muitas vezes chamada de “dor calicial”, algo difícil de distinguir da dor causada por problemas músculo-esqueléticos. O aparecimento de sangue na urina (visível ou não) é possível em qualquer localização. Se o cálculo estiver no bacinete, a dor poderá ser mais intensa e intermitente, consoante o cálculo bloqueie ou não a saída da urina do rim, o que habitualmente acontece com a presença de cálculos no ureter. Neste caso, este pode efetivamente bloquear a saída de urina pelo rim e causar o aparecimento da “cólica renal”, muitas vezes referida pelos doentes como “crise renal”.

Esta é uma dor muito intensa, não raras vezes acompanhada de náuseas, vómitos e mal-estar, de difícil controlo, obrigando o doente a deslocar-se a um hospital para controlo sintomático. Noutras situações, a dor não é tão intensa – a litíase uretérica pode manifestar-se por dor e ardor urinário, dor lombar ou no flanco, confundindo-se por vezes com a dor da apendicite ou da diverticulite agudas.

Intensa ou não, a situação torna-se particularmente grave quando ocorre em rim único, quando a dor é bilateral ou quando se acompanha de febre – situações que deverão motivar o doente a procurar ajuda urológica com urgência.

Cálculos na bexiga já têm outro significado clínico, uma vez que são quase sempre secundários a um mau funcionamento da bexiga ou da uretra; significa que são secundários à obstrução da saída de urina na bexiga. A causa mais comum desta obstrução é a hiperplasia benigna da próstata, sendo que os cálculos da bexiga se consideram uma complicação desta entidade clínica.

Como diagnosticar?

A suspeita clínica de litíase urinária é muitas vezes levantada após a realização de uma ecografia, seja por dor lombar ou por outro motivo qualquer. Como exame complementar de escolha, a Tomografia Computorizada (TC) das vias urinárias, com ou sem contraste, permite localizar e caracterizar a litíase (dimensões, densidade, estimativa da composição, planeamento terapêutico). O RX simples do abdómen permite ajudar no tratamento e no acompanhamento, complementando a ecografia e a TAC quando necessário. Em caso de doença aguda ou como avaliação do risco, poderão ser realizadas análises clínicas ao sangue e à urina. Em formadores recorrentes de cálculos, poderá ter utilidade a análise de urina de 24 horas, com doseamentos específicos para a litíase urinária.

Quando tratar?

A maioria dos cálculos renais não necessita de tratamento. Cálculos pequenos que não tenham tradução sintomática podem ser controlados por meio de avaliação imagiológica periódica, para vigiar o seu crescimento e a sua localização. O tratamento médico da cólica renal/litíase uretérica foca-se essencialmente no controlo da dor e na facilitação da passagem do cálculo, que é previsível para cálculos até 6 mm de maior diâmetro. Para o efeito, é comum a prescrição de analgésicos/anti-inflamatórios e alfa-bloqueantes medicamentos utilizados essencialmente na hiperplasia benigna da próstata, mas que ao relaxar o músculo do ureter ajudam no controlo da dor e na facilitação da passagem dos cálculos.

Quando a passagem do cálculo não ocorre num tempo razoável (habitualmente 3-4 semanas) ou se trata de um cálculo de grandes dimensões, a remoção ativa do cálculo torna-se uma necessidade, como se verá adiante. Cálculos renais volumosos ou sintomáticos podem ser considerados para tratamento ativo. Cálculos de ácido úrico são habitualmente passíveis de dissolução química com medicamentos (citrato de potássio ou bicarbonato de sódio). Cálculos de outra etiologia poderão ser removidos ativamente por meio de cirurgia minimamente invasiva ou fragmentados “in situ” por Litotrícia Extracorpórea.

Os cálculos da bexiga acompanham-se quase sempre de algum bloqueio da passagem da urina abaixo da bexiga e o tratamento deverá ter em consideração a causa desse mesmo bloqueio (hiperplasia da próstata, aperto uretral, bexiga neurogénica…).

Modalidades de tratamento cirúrgico

A Ureteroscopia, rígida ou flexível, permite o acesso aos cálculos do ureter e do rim através da uretra. Sob anestesia, é possível a sua fragmentação com laser (ou outra fonte de energia) ou a sua remoção com “cesta”. Cálculos renais mais volumosos ou de localização menos acessível poderão requerer o recurso à Nefrolitotomia Percutânea; através de uma pequena incisão nas costas, é introduzido um aparelho endoscópico no interior do rim (nefroscópio) a fim de localizar, fragmentar e remover os cálculos por esta via. Esta modalidade pode ser combinada com a Ureteroscopia para aumento da eficácia.

A Litotrícia Extracorpórea consiste na administração de ondas de choque diretamente sobre o cálculo urinário, na tentativa de o fragmentar em porções menores, aumentando assim a sua probabilidade de expulsão. Cálculos da bexiga também podem ser fragmentados endoscopicamente. Raramente ter-se-á de recorrer a cirurgia aberta para resolução da litíase.

Prevenção

Hidratação oral é a medida mais importante na prevenção da formação de cálculos. Recomenda-se uma hidratação de 2,5 a 3 litros por dia, para assegurar um volume urinário de 2 a 2,5 litros por dia. A cor da urina deverá ser sempre clara ou transparente.

A restrição salina (menos de 5g por dia) também contribui para a redução da excreção de cálcio pelos rins, ajudando igualmente na prevenção. Outras medidas mais específicas (incluindo a restrição proteica) terão de ser consideradas caso a caso. Em formadores frequentes de cálculos poderá estar indicado o estudo metabólico. Este consiste em análises ao sangue e à urina das 24 horas, em que são doseados os promotores e os inibidores da formação dos cálculos.

Doentes com doenças metabólicas como a acidose tubular renal, diátese gotosa (i.e., pH urinário muito baixo), cistinúria, hipeorxalúria, hipercalciúria ou hipercitratúria (entre outras) poderão necessitar de terapêutica medicamentosa, a fim de reduzir a formação de cálculos e assim diminuir a necessidade de tratamentos.

Pedro Moreira
(Médico Urologista)

Glossário

Litíase urinária ou cálculo urinário – formação dura, mineralizada, que se forma no interior do aparelho urinário;

Ureter – tubo muscular que transporta a urina do rim para a bexiga; normalmente existe um para cada rim;

Uretra – tubo muscular que transporta a urina da bexiga para o exterior;

Ureteroscopia – modalidade de endoscopia destinada à inspeção visual do ureter; quando a inspeção inclui o rim poderemos falar de uretero-renoscopia. Pode ser realizada por intermédio de aparelhos rígidos ou flexíveis;

Nefroscopia – modalidade de endoscopia destinada à visualização do interior do rim, por intermédio de uma incisão nas costas do doente;

Nefrolitotomia – remoção de cálculos renais por cirurgia.

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