Nas mulheres, a incidência é elevada e por isso este é um assunto quase só “delas”. A infeção urinária afeta-as e, não raros casos, ainda têm de tolerar as infeções recorrentes que, muitas vezes, surgem sem que se perceba porquê. Para que não se repita é preciso prevenir. Beber muita água e comer arandos pode ajudar, mas o duche higiénico e reter a urina durante várias horas devem ser evitados
Um infeção urinária corresponde à presença de bactérias em qualquer parte do sistema, como rins, ureteres e bexiga. Consoante a localização, a infeção recebe nomes diferentes, se for no rim será uma pielonefrite, mas se estiver localizada na bexiga, o nome muda para cistite.
As Infeções do Trato Urinário (ITUs) e, mais concretamente, das vias urinárias não complicadas (cistite) constituem – depois das respiratórias – o segundo grupo com maior importância no que se refere a infeções extra-hospitalares, e são uma causa frequente de consulta nos cuidados de saúde primários. Embora a maioria dessas infeções se apresentem confinadas à bexiga, permanecendo autolimitadas com tratamento adequado, o urologista muitas vezes é solicitado a tratar infeções urinárias recorrentes ou complicadas.
A cistite aguda afeta fundamentalmente mulheres sem doença de base e sem anomalias funcionais ou estruturais. A explicação para esta ocorrência está nas próprias caraterísticas anatómicas da mulher; dada a maior proximidade da uretra feminina com o ânus e com a vagina e ainda porque a uretra é muito mais curta do que a masculina; condições que permitem que os microrganismos alcancem mais facilmente a bexiga… E por isso as infeções urinárias apresentam uma alta incidência nas mulheres, uma grande proporção das quais terá apresentado um episódio de cistite antes dos 40 anos.
Entre 50 e 60% das mulheres, em fase de pré́-menopausa, terá pelo menos um episódio de ITU na sua vida. Destas, 90% será uma cistite. O pico de incidência de infeções não complicadas do trato urinário baixo em mulheres observa-se entre os 18 e os 39 anos (coincidindo com a idade de máxima atividade sexual na mulher). Aproximadamente 20% das mulheres têm infeções recorrentes em função de fatores anatómicos e imunológicos locais; porém, entre 3,6% e 4,2% terá um quadro de pielonefrite aguda e, destes, menos de 1% evoluirá para pielonefrite crónica.
As ITUs baixas não complicadas são causadas por um escasso número de espécies bacterianas e, mais de 95% destas, são produzidas por uma única espécie (infeção monomicrobiana). A maioria de episódios é produzida por microrganismos aeróbios Gram-negativos provenientes do cólon, ao serem as enterobactérias da flora fecal as que colonizam a zona urogenital. Na mulher jovem sem fatores de risco, as cistites agudas são causadas quase exclusivamente por Escherichia coli (70-80% dos casos); seguida por Proteus mirabilis (5-9%) na mulher jovem sexualmente ativa.
Em relação à patogenia, numa primeira fase, as enterobactérias colonizam o vestíbulo da vulva e a região periuretral. A partir destas localizações, ascende um pequeno número de bactérias até à bexiga e, mais excecionalmente, à pélvis e ao parênquima renal. Em circunstâncias normais, estas bactérias são eliminadas pelo fluxo e pelas propriedades antibacterianas da urina e, em menor medida, pela presença de Imunoglobulina A (IgA) e pelos escassos polimorfonucleares presentes na superfície vesical.
Arandos e muita água
Mas a infeção urinária é daqueles contratempos que, por vezes, não é definitivamente eliminada. A reincidência é comum: pelo menos uma em cada quatro mulheres volta a ter um episódio, até seis meses depois do primeiro. As causas das infeções de repetição não estão totalmente claras: as pesquisas falam em fatores genéticos e comportamentais. A solução pode passar por uma aposta na prevenção.
Começando pela higiene. Embora pareça contraintuitivo, uma das recomendações mais contundentes é evitar o uso de duche íntimo internamente. A limpeza com o chamado duche higiénico altera a flora vaginal por alterações no pH e na mucosa, favorecendo a ascensão de bactérias patogênicas. E esta flora funciona como um exército de proteção contra invasores.
Na prática, isso significa limpar a região com água e sabão neutro, usando os dedos mesmo e sempre pelo lado de fora — produtos antibacterianos são contraindicados. Urinar após a relação sexual parece diminuir o risco de infeções, embora seja mais um consenso baseado na prática profissional do que na pesquisa científica, uma vez que não existem estudos, mas há uma lógica por detrás deste consenso e a ideia base passa por expulsar as bactérias que possam ter sido empurradas para a uretra durante a penetração.
A hidratação é também uma parte fundamental na prevenção. Pesquisadores franceses e americanos comprovaram a enorme diferença que faz na prevenção da infeção urinária e publicaram esses estudos no jornal da Associação Médica Americana. Ao longo de um ano, eles acompanharam dois grupos de mulheres com infeções recorrentes: o primeiro grupo continuou a consumir o mesmo volume de líquidos, sem alterações. O segundo grupo passou a beber 1 litro e meio de água a mais por dia. O risco de infeção no grupo da hidratação reforçada foi de 1,7 infeções por ano, enquanto no outro grupo foi de 3,2 infeções por ano. Um dos mecanismos de defesa do sistema urinário é o fluxo estável de urina, responsável pela “limpeza” constante de bactérias que, eventualmente, possam entrar na via urinária.
Ainda no âmbito da prevenção, a mulher não deve reter a urina por demasiado tempo, sendo conveniente urinar a cada duas ou três horas. Acrescente-se ainda o hábito de consumir arandos (cranberry), pelas propriedades antioxidantes e imunomoduladoras, já estudadas e que se comprovou ajudarem na contenção da infeção urinária. Não funciona como tratamento, mas pesquisas sugerem que os arandos podem minimizar a recorrência do quadro — um problema que se torna crónico em até 5% das mulheres.
Bexiga hiperativa ou infeção?
O quadro clínico é bastante característico, predominando os sintomas miccionais: polaquiúria (muitas micções), ardor miccional, urgência, dor hipogástrica e muitas vezes hematúria final. Por vezes, os sintomas podem ser muito semelhantes a outras patologias como a bexiga hiperativa, sendo fundamental a realização de uma urocultura, o exame de diagnóstico de eleição. O exame é feito com um teste de sensibilidade aos antibióticos, o que permite fazer o diagnóstico e, simultaneamente, escolher corretamente o antibiótico a utilizar.
Como a urocultura não é imediata, em pacientes com infeção causada por Gram-negativos (com exceção da Pseudomonas), a bacteriúria pode ser demonstrada pelo teste do nitrito. O nitrito é formado pela metabolização bacteriana do nitrato que, em condições normais, não é encontrado na urina. O teste do nitrito positivo é altamente específico, porém, sabe-se que sua sensibilidade é baixa, uma vez que requer que a multiplicação bacteriana ocorra no interior da bexiga.
A terapia antibiótica visa a resolução da bacteriúria, com consequente alívio sintomático, apesar de, em raros casos, ser utilizada empiricamente. Isto porque as pacientes com cistite são muito sintomáticas e não toleram o tempo suficiente até a chegada dos resultados de exames.
A terapia pode ainda incluir o recurso a hormônios, uns comprimidos ou cremes de estrogênio aplicados na vagina e que fortalecem a estrutura da bexiga e dificultam o desenvolvimento das bactérias indesejáveis. Os analgésicos e anticolinérgicos também podem reduzir a sintomatologia urinária e são utilizados para aliviar os sintomas. Porém, sozinhos, não tratam a causa do problema. A solução futura pode passar pelo recurso à imunoprofilaxia, ou seja, uma espécie de vacina recorrendo a cápsulas com pequenas quantidades de bactérias, que ajudam o corpo a reconhecê-las e, simultaneamente, a dar uma melhor resposta quando confrontado com uma infeção urinária.
Sílvio Bollini
(Médico Urologista)
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