O que a atitude de dois insetos à volta de uma bola de sabão pode ter de comum com o comum dos mortais? Tudo. Basta soltar ideias num final de tarde
Numa tarde de Verão … Num fim de tarde, com o dourado do Sol a esconder-se lá longe, na linha do horizonte, o pensamento navegava, indolente, ainda em franca frenagem do bulício dos dias de trabalho, ideias soltas vagueavam sem sentido.
Subitamente a atenção ficou presa num turbilhão de movimento, cor e zumbidos que se desenrolava a poucos metros.
Dois insetos digladiavam-se furiosamente. Cada um focava toda a sua atenção nas fragilidades do outro, atacando no momento certo. Quando um deles conseguia dominar momentaneamente a disputa, o adversário, recorrendo a todas as suas capacidades e a algumas manobras mais ardilosas, lá conseguia umas vitórias transitórias.
A contenda prolongava-se, numa vertigem alucinada.
Uma grande bola brilhante, multicor, que flutuava, majestosa, cintilando sob os raios solares era o motivo desta luta encarniçada.
Os dois insetos, implacáveis, continuavam naquela dança furiosa, até que – claramente – um deles atirou o outro ao solo. O vencedor atirou-se imediatamente ao troféu – pousou sobre a grande bola brilhante.
Instantaneamente, a grande bola de sabão – rebentou.
Deitados lado a lado, no solo, os dois insetos foram facilmente esmagados pela criança que brincava com bolas de sabão.
Desviei o olhar.
O pensamento continuava difuso, mas uma preocupação impunha-se teimosamente: um conflito de profissionais em fúria, desfocados de sentido e objetivos, envoltos por um misterioso manto invisível sem rosto que os manipula e conduz para um esmagamento mais que certo da sua identidade ética, invadia agora a tranquilidade daquele fim de tarde.
Luís Filipe Silva
(Médico, Otorrinolaringologista)
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