Há marcas impressas em milhares de olhos que provam que é possível fazer diferente. Explicamos como se faz, mas avisamos que nesta história não entram adjetivos, como apático, desinteressado ou desapaixonado. Nem podia ser de outro modo

A história pode começar por explicar a forma como utiliza o tempo. Não é comum. «As horas têm uma importância relativa», principalmente se são passadas num bloco operatório. É aí que o tempo se ausenta. O dia de trabalho pode começar às 8h00 e terminar no dia seguinte, às 02h00. Não é exagero, é verdade. É preciso treino para o conseguir acompanhar, porque é também este o ritmo de todos os que lhe estão mais próximos.

Aos fins-de-semana e férias basta-lhe apanhar a essência e raramente consegue estar quieto. Hiperativo… acrescentariam alguns especialistas modernos. Contrariamos, porque o seu sangue tem ADN alentejano. Aliás, foi num monte alentejano que cresceu e se fez homem. Não tem sotaque, mas foi ali que partilhou experiências e vivências que lhe definiram o caráter. Coimbra foi um destino óbvio, mas esta relação com a cidade, não é isenta de amor/ódio. A analogia estende-se à relação que tem com “o seu hospital” (HUC), porque acredita que uma e o outro poderiam ser os melhores do mundo…

Acredita que cada um de nós «tem de fazer o seu melhor» e segue este lema à risca em tudo o que toca. Os doentes são os grandes beneficiados. Têm a garantia de que «nunca irei desistir de fazer o melhor por todos, de acordo com os conhecimentos científicos atuais. Como médico, a recuperação de um doente será sempre o melhor reconhecimento».

E como é que isso acontece? «A simpatia não pode substituir a competência, mesmo sabendo que é muito mais fácil ser simpático do que competente». E esta é uma posição que já lhe valeu algumas críticas. Depois a medicina, tem de ser objetiva, «próxima da física e da matemática, para que possa ser mais rigorosa, não me revejo numa medicina subjetiva». Junte-se ainda um terceiro ingrediente, «a ciência tem de ser perfeitamente documentada, para que haja memória futura, para que os casos clínicos possam ser revistos e estudados. Não podemos ficar com a impressão que um tratamento parece atuar. Isso não é medicina, eu tenho de ter certezas».

O percurso só fica concluído com o trabalho de restauro. «A cirurgia é sempre simples e encaro-a com muita naturalidade. Sempre que faço uma intervenção tento respeitar a obra de arte que tenho em mãos. A perfeição de um olho, a forma como a natureza o fez evoluir é, de facto, demasiado grande para que eu a possa alterar ou cometer qualquer gesto que perturbe essa grandiosidade. Respeito essa construção milenar».

Como faz para nunca baixar os braços e estar sempre a reinventar? «Se calhar é preciso alguma loucura, mas eu tenho necessidade de procurar sempre a melhor solução. A cegueira revolta-me e, se é curável, tenho a obrigação de evitar esse destino. A pegada que posso deixar é esta, é a marca que consigo incutir à minha cirurgia, com a preocupação de procurar sempre o melhor para os meus doentes. É isso que um médico oftalmologista tem de conseguir: deixar os seus doentes a ver bem. Se o não fizesse estava a ser míope e eu quero ser alguém que vê bem (emetrope)».

O mérito e o sucesso não o deslumbram, «porque não há milagres, há ciência». Mas há orgulho «sempre que consigo recuperar a visão a um doente. É nisso que eu me revejo e que justifica o meu trabalho e a minha profissão».

Há pessoas que fazem a diferença na vida do outro. António Travassos pertence a esse grupo de eleitos. Por teimosia ou apenas porque quer «deixar uma marca». Há desejos que se cumprem. Existem milhares de olhos com a sua assinatura.

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