Começa por ser o primeiro sintoma da doença reumática. Mas, nem sempre nem nunca. Parar a evolução da doença começa por ser o passo seguinte e a dor cumpre apenas a sua função de alerta. Porém, em fases tardias e já irreversíveis da doença, a dor crónica deixa de ser um sintoma e passa a ser uma doença
A dor está descrita como uma experiência sensorial e emocional desagradável que está – ou parece estar – relacionada com dano tecidular ou potencial dano tecidular. Esta descrição, aceite internacionalmente, salienta a subjetividade inerente ao fenómeno doloroso.
Assim a dor é multidimensional, sendo influenciada não apenas por características anatómicas e fisiológicas, mas também por aspetos emocionais e sociais. É, portanto, um fenómeno pessoal e intransmissível, necessitando de uma abordagem centrada no doente e multidisciplinar. Aliás, a dor é o principal motivo pela procura de cuidados médicos, sendo especialmente proeminente na área da Reumatologia. Frequentemente é o primeiro sintoma de doença reumática, resultando em sofrimento considerável, com grande impacto na qualidade de vida e da sua autoestima e é um fator importante de agravamento de qualquer outra doença de que sofra.
Apesar dos recentes progressos da Medicina, a dor em Reumatologia continua a ser um problema sério, frequente e por vezes ainda mal abordado. É fundamental ainda ressaltar alguns aspetos não físicos da dor reumática que, desde tempos imemoriais, carrega o estigma de pejorativamente incurável. A conotação sociocultural e o peso de ser para toda a vida, acarretam graves consequências a nível psicológico, familiar, social e até mesmo profissional. Exemplo disso mesmo, serão os graves problemas de Saúde Pública que se colocam quando falamos de algumas doenças reumáticas dolorosas, sendo a Lombalgia o seu paradigma.
A dor é uma sensação multifatorial com envolvimento nocicepção periférica, sensibilização central e interpretação no córtex cerebral. A perceção da dor deve-se a estruturas anatomicamente bem conhecidas, apesar do seu mecanismo estar a ser constantemente reestudado e reequacionado.
As estruturas nervosas que vão conduzir esta perceção até às vias superiores são os nociceptores cutâneos e das estruturas musculoesqueléticas, constituídos por fibras mielinizadas Aδ e C, responsáveis pela perceção de estímulos mecânicos, térmicos e químicos. Estas fibras entram na espinal medula, formando sinapses com os neurónios dos feixes espinotâlamicos que cruzam na substância cinzenta central da medula e formam os feixes ascendentes espinotalâmicos. Daí, farão sinapses tanto para as regiões talâmicas corticais frontais, como para as parietais, conferindo os aspetos emocionais e de localização e intensidade da dor, respetivamente. Entretanto a dor sofre uma mediação ou modulação que confere uma grande diversidade de respostas dolorosas a variados estímulos nociceptivos.
Os feixes descendentes que modulam a dor são mediados por diversos neurotransmissores, sendo a serotonina o principal. Porém, também são de grande importância as endorfinas, as encefalinas, a substância P e a noradrenalina entre outras.
Aguda ou crónica
A dor pode ser aguda ou crónica, pode estar relacionada com uma multiplicidade de causas e ser influenciada por um elevado número de fatores, como por exemplo, experiências prévias, contexto social e contexto psicológico, aliás este aspeto é fundamental e pode funcionar de forma bidirecional. Dentro das causas reumáticas de dor aguda podemos encontrar a artrite microcristalina, como a gota, e as fraturas osteoporóticas, enquanto a artrite reumatoide, artrite psoriática, polimialgia reumática e fibromialgia, são exemplos de patologias que podem cursar com dor crónica.
Em reumatologia, a caracterização da dor é fulcral para o clínico chegar a um diagnóstico correto. Obviamente que a abordagem da dor encerra uma enorme complexidade, tão só porque este sintoma único pode ser considerado sob múltiplas vertentes e assumir distintas representações:
- Dor sintoma/dor doença (como acima explicitado)
- Dor aguda/dor crónica:
- Dor aguda como processo de alerta de um processo que está a lesar uma estrutura do aparelho locomotor, implicando o seu aparecimento a suspensão imediata do seu determinante causal imediato (esforço, postura, marcha…);
- Dor crónica, que se pode dividir em dor:
- 1.Nociceptiva (causa local)
- Mecânica
- Inflamatória
- 2.Neuropática (causa sistema nervoso)
- 1.Nociceptiva (causa local)
- Neuropática
- Dor crónica (“nociplástica”)
É fundamental a distinção entre uma dor nociceptiva, mecânica e inflamatória:
- A dor mecânica tem como principal característica o facto de melhorar em repouso. Apresenta uma rigidez de curta duração matinal ou depois de imobilizações e um claro agravamento com carga e mobilização dos segmentos dolorosos, com melhoria com o repouso imediato.
- A dor inflamatória apresenta uma típica expressão noturna uma rigidez matinal de longa duração, e uma franca melhoria com mobilização sem sobrecarga exagerada. A dor inflamatória está associada – em regra – a fases precoces e reversíveis das doenças reumáticas. Situações em que a dor está subjacente a fenómenos do processo patológico, em especial a inflamação, sendo por isso a sua identificação e tratamento adequados fundamentais para parar a evolução da doença, e impedir a progressão para lesões estruturais irreversíveis. Significa a verdadeira dor-sintoma.
- Pelo contrário, a dor mecânica está associada a fases tardias e já irreversíveis das doenças reumáticas, em regra associada a lesão estrutural. A sua abordagem terapêutica é já mais complexa e exclusivamente sintomática, podendo incluir múltiplas abordagens não-farmacológicas. A dor mecânica pode representar a dor/sintoma, mas a sua persistência para quadro de dor crónica não resolvida, poderá significar a sua evolução para uma dor/doença.
- A dor crónica central (dor nociplástica), verdadeira dor/doença, manifesta-se por um quadro de dores músculo-esqueléticas difusas e generalizadas evoluindo em ciclos viciosos de amplificação e de perpetuação e tendo como expressão final uma síndrome.
Um sinal de uma patologia
É por isso fundamental sublinhar a mensagem de que a dor deve ser encarada como o sinal de uma patologia subjacente, e que é sempre fundamental tratar a dor, evitando a sua transformação num problema autónomo, distinto da sua causa original e assumindo nestas circunstâncias a dimensão de uma verdadeira doença distinta). Porém, nunca se pode tratar só a dor, sem procurar, investigar, perceber e tratar a sua causa primitiva.
O tratamento da dor em reumatologia passa sempre por um correto diagnóstico, direcionado para a causa subjacente. Pode passar por fármacos imunomoduladores, como no caso da artrite reumatoide, analgésicos e anti-inflamatórios. Em caso de dor crónica pode recorrer-se a medicação adjuvante, como os hipnóticos, antidepressivos e anti- convulsivantes.
Muito importante será sempre o completo e cabal esclarecimento ao doente, assim como o seu envolvimento em todo o processo, encorajando-o a manter uma vida ativa que cuide do físico e da mente.
João Rovisco
(Médico Reumatologista)
Um texto de divulgação científica não deve ter uma profundidade como se fosse destinado aos profissionais da área.
ReplyOs anteriores artigos tiveram esse ponto de vista em consideração.