Quatro semanas é o período máximo recomendado para a toma de uma qualquer benzodiazepina, prescrita para o tratamento da insónia. Na prática, não é isso que acontece. O abuso e a automedicação acabam por durar anos e os portugueses deixaram-se seduzir por esse presente envenenado. O uso irresponsável de medicação para “dormir” criou um problema de saúde pública e um novo tipo de perturbação mental

Tratar a insónia pode ser o objetivo inicial e os medicamentos ansiolíticos usados para conseguir dormir acabam por não resolver o problema. A utilização disseminada de medicamentos da classe das benzodiazepinas já é um problema de saúde pública bem conhecido e preocupante, verificando-se consumos problemáticos crescentes. Os mais prescritos são as benzodiazepinas ansiolíticas, como o alprazolam, lorazepam, diazepam e bromazepam; as benzodiazepinas hipnóticas como o estazolam, flurazepam e triazolam; e outros hipnóticos não benzodizepínicos como o zolpidem. Este uso inadequado de medicamentos para dormir coloca Portugal como um dos países europeus da OCDE com maior consumo de ansiolíticos, hipnóticos e sedativos.

É consensual que, no tratamento da insónia, o uso de medicação deste tipo deve ser num curto prazo de tempo e, segundo as normas da Direção Geral de Saúde, se existir indicação para a toma de uma benzodiazepina, esta não deve ser utilizada mais de 4 semanas, incluindo o período de descontinuação, pelo subjacente risco de habituação e dependência.

Na prática, o que se verifica de facto é que as pessoas acabam por se automedicar durante anos e o abuso de medicação para dormir já é considerada uma perturbação mental, segundo a mais recente classificação diagnóstica das perturbações mentais (DSM-5).

A nível químico, as benzodiazepinas são substâncias que estão associadas a potencial de abuso e dependência, ou seja, a pessoa não consegue reduzir o consumo e o efeito de tolerância, obriga à toma de doses cada vez mais elevadas para obter o mesmo efeito.

O risco para a saúde associado às benzodiazepinas está bem documentado, podendo haver efeitos secundários de aumento da sedação diurna, diminuição da atenção, diminuição do tempo de reação e da velocidade do desempenho, descoordenação motora, risco de quedas, aumento da probabilidade de acidentes de viação e de trabalho. As perturbações cognitivas podem surgir com aumento do estado de confusão mental e alteração da memória anterógrada. Quando as benzodiazepinas são tomadas durante muito tempo, alguns estudos demonstraram, inclusivamente, o risco aumentado de síndromes demenciais e aumento do risco de mortalidade.

Os fármacos benzodiazepínicos com propriedades ansiolíticas ou hipnóticas não devem ser utilizados simultaneamente com bebidas alcoólicas e outros depressores do Sistema Nervoso Central (SNC), devido ao risco de interação perigosa. Atuando nos recetores do GABA, diminuem o ritmo de atividade do SNC, podendo causar perturbação das funções psíquicas e diminuição da atividade dos sistemas respiratório e cardiovascular levando, em casos extremos, ao coma e à morte. Há casos descritos com as drogas Z (exemplo, o zolpidem) de alterações comportamentais durante o sono ou parassónias, episódios de sonambulismo e perturbação alimentar relacionada com o sono (episódios involuntários de comer e/ou beber durante o sono).

Se o objetivo inicial era tratar a insónia, na verdade, os medicamentos ansiolíticos usados para dormir, não resolvem esse problema e podem, inclusivamente, agravar a perturbação do sono. A nível do sono, apesar de a pessoa ter a noção subjetiva de ter dormido mais, após a toma desses medicamentos, na realidade, verifica- se uma alteração na arquitetura do sono com diminuição do sono profundo e do sono REM. O sono superficial fica aumentado, assim como a atividade rápida durante o sono. Ou seja, o sono que se dorme é um sono com menor qualidade.

Há muitos doentes com um distúrbio respiratório do sono, como a síndrome de apneia do sono, que estão indevidamente medicados com benzodiazepinas, estando estes psicofármacos contraindicados nestes doentes, não só pelo risco de agravamento da perturbação do sono, mas também por um possível aumento do número e duração das apneias.

É importante referir que quando uma pessoa toma este tipo de medicamentos por um período de tempo prolongado e já desenvolveu dependência, não deve suspender abruptamente o seu consumo, podendo levar a uma síndrome de abstinência ou “ressaca”. Esta síndrome é um conjunto de sintomas que incluiu, entre outros, tremores, suores, palpitações, náuseas e vómitos, desorientação, alucinações, agitação psicomotora e até convulsões. Por isso, a descontinuação de um fármaco benzodiazepínico deve ser feita de forma gradual, com redução lenta e progressiva da dose, ao longo de algumas semanas ou, eventualmente meses, sempre sob vigilância médica, para minimizar a emergência dos sintomas de abstinência e aumentar o índice de êxito da suspensão.

Se estiver a fazer medicação com ansiolíticos, hipnóticos ou sedativos para dormir, deverá recorrer a uma consulta especializado, devendo ser avaliada outra alternativa farmacológica, eficaz, segura e que não esteja associada a dependência ou a alteração na arquitetura normal do sono.

A mudança nos hábitos e nos estilos de vida com uma correta higiene do sono pode resolver o problema da insónia, sem riscos para a saúde.

Joana Serra (Médica, Psiquiatra com competência em Medicina do Sono)

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