Falamos, gritamos, choramos e cantamos esquecendo que por detrás desta capacidade está um equilíbrio de forças, entre pulmões, laringe, boca, nariz e língua. A voz nasce assim e cada um de nós consegue emitir uma impressão sonora única, tal como a impressão digital. Tem cuidado da sua voz?

Mais do que tentar saber quem terá sido o primeiro a pronunciar uma frase, é importante reter que, tal como uma impressão digital, a voz humana tem um carácter único, que permite conhecer as caraterísticas de personalidade, mas também o estado emocional e identificar essa mesma pessoa. Basta analisar os parâmetros da voz, como, frequência, intensidade e timbre, para recolher um “retrato” de cada um de nós. O que vemos em algumas séries policiais televisivas não é ficção, é mesmo a realidade!

Voz, fonação, palavra e fala são vários conceitos que, não sendo sinónimos, convergem, em conjunto para uma forma de expressão, cuja alteração pode afetar a vida pessoal, social e, até profissional, como seja de cantores, professores, telefonistas e outros. É ainda importante reter que voz, fala e audição estão intimamente interligados e, mesmo em sociedades tecnologicamente evoluídas, como aquela em que vivemos, a voz continua a ser o nosso meio de comunicação privilegiado.

Habitualmente, ligamos a produção da voz à existência de estruturas que designamos de cordas vocais, que estão dentro do órgão que apelidamos de laringe, uma espécie de caixa formada por cartilagens ligamentos, músculos e articulações, situada entre os pulmões e a faringe, fazendo a ligação entre eles e que participa na atividade vital da respiração É esta mesma laringe que, no género masculino, provoca um alto/saliência no pescoço a que damos o nome da “Maçã-de-adão”.

Todavia, a existência de cordas vocais, enquanto estruturas musculares, tal como os chamados músculos esqueléticos, aqueles que nos fazem mover os braços e as pernas, por exemplo, não é condição necessária nem suficiente para ter voz. Por outras palavras, não é preciso ter cordas vocais para falar, exemplo disso mesmo são aqueles doentes que, por terem um tumor das cordas vocais, são operados e ficam sem elas, passando a respirar e a falar por um buraco no pescoço (traqueostomia). Contudo, para que a voz tenha um som “normal”, as cordas vocais são indispensáveis. Tal como também é fundamental ter um bom fole para soprar o ar que a faz vibrar, ou seja, pulmões.

O som produzido por esse ar posto em vibração, pela aproximação e movimento de ambas as cordas vocais (temos duas, direita e esquerda), vai ser modificado pelas cavidades da boca e do nariz e pela atividade da língua transformando o som em palavra, riso, choro, grito ou canto… Em resumo, para além das cordas vocais que estão dentro da laringe, também precisamos de bons pulmões, de uma boca, nariz e língua normais para podermos ter uma “voz normal”. E, note bem, muitos daquele que designamos de mudos são, na maioria das vezes, surdos. Mas, mesmo uma voz “normal”, também pode sofrer alterações, aquilo que se designa de disfonia, sendo a rouquidão a forma mais frequente. Mas há outras, como a voz de falsete, por exemplo.

São estas alterações que podem acabar por desencadear implicações de vária ordem, afetando significativamente todos os profissionais da voz. A alteração da voz pode resultar de várias causas:

•Inflamações (laringite);

•Problemas na mobilidade laríngea, por vezes causadas por certas intervenções cirúrgicas (imobilidades, paralisias,…);

•Alterações anatómicas e funcionais, como a perda do tónus muscular das cordas vocais, como resultado da idade avançada;

•Lesões ditas de sobrecarga – pólipos, nódulos,…

•Lesões/tumores malignos;

•E outras

Para prevenir, em vez de remediar, é essencial uma atitude de saúde, em relação à nossa vida geral e à voz em particular. Esta é uma boa altura para enunciar a regra dos “Três F”: Fumo, Frio e Fala, regras fundamentais para uma boa higiene vocal e para a prevenção de alterações a nível da voz de cada um. Ou seja, não fumar, nem frequentar locais/ambientes com fumo ou poeiras; fazer uma boa higiene alimentar, com particular atenção para uma boa hidratação oral e evitar bebidas demasiado frias. Por fim, mas não menos importante, não deve esforçar a voz, isto é gritar, falar durante muito tempo, tal como os atletas, sendo recomendado aquecer a voz antes de utilização intensiva da mesma. Até porque, as cordas vocais são músculos, não o devemos esquecer e, como tal, também necessitam de exercícios de aquecimento.

Associado à regra dos “Três F”, é recomendável a prática de exercício físico regularmente; respeitar o ritmo circadiano de vida (o conhecido biorritmo); corrigir defeitos alimentares, em particular aqueles que provocam refluxo/azia; e deixar um intervalo de tempo entre as refeições e o deitar.

De qualquer modo, por muito regrados e respeitadores que sejamos, haverá, sempre, a possibilidade de ficarmos “roucos”. Na grande maioria dos casos, se formos cuidadosos, a situação resolve-se sem grandes problemas. Todavia, situações há em que isso não sucede. Caso a rouquidão se prolongue por mais de 2 semanas, é indispensável a observação por médico otorrinolaringologista, para observação e despiste de lesão orgânica ou estrutural (laringite, nódulo ou pólipo vocal, lesão suspeita de malignidade…) subjacente das cordas vocais, podendo ser necessário um tratamento médico específico e, não raras vezes, um tratamento cirúrgico – Microcirurgia Laríngea com LASER, por exemplo – ou tão só a indicação para “terapia da fala”, para aprendizagem da forma correta de colocar a voz.

“A voz é o espelho da alma”. Tal como os olhos, também a voz é, comumente, referida como sendo o espelho da alma. Saber cuidar da sua voz, é cuidar da sua identidade pessoal, única e irrepetível.

Jorge Miguéis
(Médico, Otorrinolaringologista)

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