São doenças evitáveis e nascem silenciosamente no meio das rotinas que executamos todos os dias. A Medicina do Estilo de Vida nasceu para modificar esses destinos e prova que é possível mudar
Vivemos numa época em que as doenças crónicas, como a diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, obesidade e alguns tipos de cancro, se tornaram extremamente comuns. O mais surpreendente — e talvez o mais urgente — é que muitas destas doenças são evitáveis. Elas nascem silenciosamente das rotinas que repetimos todos os dias. Um facto que também nos dá uma arma poderosa: a capacidade de mudar. É aqui que entra a Medicina de Estilo de Vida, uma abordagem médica centrada na prevenção e tratamento de doenças, através da modificação dos hábitos de vida.
Esta vertente da Medicina baseia-se em seis pilares fundamentais. Vamos conhecê-los e perceber de que forma, simples mudanças no dia-a-dia, podem ter um impacto profundo na saúde e bem-estar.
Alimentação, o combustível do corpo e da mente
Esta é uma das ferramentas mais poderosas para prevenir e até ajudar a reverter doenças crónicas. Estudos mostram que padrões alimentares ricos em alimentos de origem vegetal, como legumes, frutas, cereais integrais, leguminosas, sementes e frutos secos, estão associados a menor risco de doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes tipo 2 e até alguns tipos de cancro.
De acordo com o estudo Global Burden of Disease, de 2019, os hábitos alimentares inadequados dos portugueses foram o quinto fator de risco que mais contribuiu para a perda de anos de vida saudável e o principal fator de risco modificável para mortalidade. Evitar alimentos processados, ricos em açúcar, sal e gorduras saturadas, é fundamental. Estes produtos muitas vezes “iludem” o nosso corpo, fornecendo calorias vazias sem nutrientes.
Dicas práticas:
- Opte por alimentos frescos, simples e preparados em casa.
- Reduza gradualmente o consumo de refrigerantes, bolos, alimentos processados e refeições prontas.
- Tente introduzir “dias sem carne” na semana, focando-se em pratos com leguminosas.
Atividade física, o movimento que previne doenças
O sedentarismo é considerado um dos principais fatores de risco para doenças crónicas. O corpo humano foi feito para se mover e movimentar-se regularmente traz benefícios para o coração, músculos, ossos, cérebro e humor. A prática regular de exercício ajuda a controlar a pressão arterial, os níveis de açúcar no sangue, o colesterol e o peso corporal. Além disso, é uma excelente forma de combater a ansiedade e a depressão.
Dicas práticas:
- Comece devagar: caminhadas de 10 minutos por dia já fazem diferença.
- Escolha uma atividade de que goste: dançar, andar de bicicleta, nadar ou fazer jardinagem, por exemplo.
- Use escadas em vez de elevadores, estacione mais longe, mexa-se ao longo do dia.
Sono, a base silenciosa e fundamental da saúde
É através de uma boa noite de sono que o corpo recupera, equilibra hormonas, reforça o sistema imunitário e consolida a memória. A falta de sono de qualidade está ligada a um maior risco de obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardíacas e depressão. Muitas pessoas vivem com “dívidas de sono” acumuladas, acreditando que dormir pouco é sinal de produtividade. Mas, na verdade, dormir 7 a 8 horas por noite é essencial para uma vida saudável.
Dicas práticas:
- Crie um horário regular para dormir e acordar, mesmo ao fim de semana.
- Evite cafeína e ecrãs (telemóveis, televisão, computador) à noite.
- Torne o quarto num espaço calmo, escuro e confortável.
Gestão do stress, cuidar da mente protege o corpo
O stress faz parte da vida, mas quando se torna crónico pode ter efeitos devastadores na saúde: aumenta o risco de doenças cardíacas, afeta o sono, contribui para ansiedade e depressão, e pode até comprometer o sistema imunitário. Aprender a reconhecer os sinais do stress e a utilizar estratégias para o gerir é essencial. Técnicas de relaxamento, apoio social e momentos de pausa fazem a diferença.
Dicas práticas:
- Reserve 5 a 10 minutos por dia para respirar fundo, meditar ou simplesmente estar em silêncio.
- Faça pausas durante o dia para caminhar ou ouvir música.
- Identifique as fontes de stress que pode evitar e aceite com compaixão aquelas que não pode controlar.
Evitar Substâncias Nocivas, proteger das agressões
O tabaco, o consumo excessivo de álcool e outras substâncias tóxicas têm um impacto profundo na saúde. O tabagismo, por exemplo, continua a ser uma das principais causas evitáveis de morte no mundo. Mesmo o álcool, em quantidades consideradas “sociais”, pode aumentar o risco de doenças do fígado, cancro e problemas cardíacos. Parar de fumar e reduzir ou eliminar o consumo de álcool são decisões que trazem benefícios quase imediatos.
Dicas práticas:
- Procure apoio: existem programas, terapias e medicamentos que ajudam a deixar de fumar.
- Substitua o hábito de beber álcool por outras rotinas relaxantes: chás, sumos naturais ou caminhadas.
- Lembre-se: cada tentativa conta — não desista se não conseguir à primeira.
Relações sociais e propósito de vida, os laços humanos
A ciência mostra que relações sociais fortes estão associadas a maior longevidade e menor risco de doenças. Ter com quem conversar, rir, partilhar alegrias e desafios, protege a saúde mental e física. Sentir que a vida tem um propósito, seja através da família, trabalho, voluntariado ou espiritualidade, também está ligado a uma melhor qualidade de vida.
Dicas práticas:
- Cultive relações positivas: ligue a um amigo, participe em atividades comunitárias ou grupos de apoio.
- Dedique tempo ao que lhe dá sentido: hobbies, jardinagem, arte, ajuda ao próximo.
- Não tenha medo de procurar apoio emocional — todos precisamos de alguém.
Pequenas mudanças, grandes resultados
A Medicina de Estilo de Vida mostra-nos que as nossas escolhas diárias – o que comemos, como nos movemos, como dormimos, como lidamos com o stress e com quem nos rodeamos — têm um impacto enorme na saúde.
Não é preciso mudar tudo de uma vez. O importante é começar por algum lado. Pequenos passos, quando dados com consistência, criam grandes transformações. E lembre-se: nunca é tarde para cuidar de si.
Helena Rodrigues
(Médica, especialista em Medicina Interna),
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