Não é apenas um, mas sim cinco cancros que cabem na designação de Cancro Digestivo. São os chamados big five e, em Portugal, um terço de todos os cancros são do aparelho digestivo, ou seja, do esófago, estômago, intestino, fígado e pâncreas. As estatísticas ilustram alguma fatalidade, mas também revelam que a prevenção pode curar

Quando falamos em cancro digestivo, falamos dos chamados “big five” (cinco maiores) que incluem os cancros do esófago, estômago, intestino, fígado e pâncreas. Em Portugal, um terço de todos os cancros são do aparelho digestivo. Anualmente, estes cancros são responsáveis por cerca de 10% das mortes, em que o cancro do estômago, do cólon e as doenças do fígado são responsáveis por três das dez causas principais de morte.

Serão estes números uma fatalidade? O que podemos fazer para alterar esta situação? Será que conseguimos fazer melhor na prevenção e/ou no diagnóstico precoce? Nalguns casos é possível, noutros não estamos ainda nessa fase. A função dos médicos gastrenterologistas é fundamental no sentido de prevenir, diagnosticar e, nalguns casos, tratar estas doenças. A conjugação de esforços com outros especialistas, cirurgiões, radiologistas, oncologistas entre outros, é da maior importância para conseguir alcançar o objetivo de melhor cuidar estes doentes. 

O mais frequente dos “big five” é, sem dúvida, o cancro do intestino. Este constitui o exemplo paradigmático do cancro que é possível prevenir. Isto resulta do facto de o aparecimento deste tumor ser precedido, em muitos anos, por um tumor benigno, habitualmente chamado “pólipo”. Se detetado precocemente, designadamente através da realização de colonoscopia, pode o pólipo ser removido sem necessidade de uma intervenção cirúrgica, ficando o doente curado e feita a prevenção do cancro do intestino. Neste contexto, é fundamental que os programas de rastreio, dirigidos às pessoas que não apresentam qualquer sintoma, sejam ativamente implementados no contexto da Medicina Geral e Familiar. As recomendações atuais vão no sentido de fazer o rastreio a partir dos 50 anos, havendo países em que essa idade recuou para os 45 anos, em relação com o aumento dos casos de cancro do intestino detetados em idades mais jovens. Deve salientar-se que pode ser necessário realizar uma colonoscopia antes dessa idade, caso apareçam sintomas como, por exemplo, presença de sangue nas fezes, alteração recente dos hábitos intestinais, dor abdominal, perda de peso, anemia. Também no caso de existir uma história familiar de cancro do intestino, pode ser necessário realizar a colonoscopia mais cedo.

Relativamente ao cancro do estômago, a perspetiva é um pouco diferente dado que não é precedido, como no caso do intestino, por um pólipo. As pessoas devem estar particularmente atentas a alguns sintomas que possam surgir, designadamente dificuldade em fazer a digestão, sensação de enfartamento, perda de apetite, emagrecimento. Neste caso, é fundamental realizar uma endoscopia digestiva alta no contexto da qual é importante averiguar se há uma infeção do estômago pela bactéria Helicobacter pylori, reconhecidamente uma agente cancerígena. 

Ainda no tubo digestivo, o cancro do esófago é o menos frequente dos três e pode ocorrer como complicação rara da Doença de Refluxo Gastro-Esofágico ou em pessoas com hábitos tabágicos e alcoólicos acentuados. Neste caso, o sintoma que chama a atenção para a possibilidade da sua existência é a dificuldade em engolir os alimentos, bem como o emagrecimento. Quando ocorrem estes sintomas, o exame a realizar é uma endoscopia digestiva alta. 

O cancro do fígado é um dos cancros que se espera que mais aumente nos próximos 30 anos, de um modo geral com mau prognóstico. Está fortemente relacionado com a existência de cirrose hepática (estado de destruição da estrutura do fígado, com morte das células, aparecimento de cicatrizes). Importa salientar as causas mais frequentes da cirrose hepática, que incluem os hábitos alcoólicos, a infeção pelo vírus da hepatite B e C e o fígado gordo. Esta última causa tem vindo a ganhar uma importância crescente e está muitas vezes relacionada com hábitos de vida pouco saudáveis. 

O cancro do pâncreas é também um dos cancros que se espera que aumente nos próximos 30 anos. Era, tradicionalmente, uma doença que aparecia em idades muito avançadas da vida, mas a verdade é que se tem vindo a diagnosticar em idades mais jovens. O consumo excessivo de tabaco e álcool, obesidade, idade avançada e alguns quistos do pâncreas têm associado um risco aumentado de vir a desenvolver cancro. Alguns sintomas deste cancro podem incluir olhos amarelos (icterícia), dor abdominal por vezes com irradiação para as costas, bem como alguns outros muito pouco específicos como sejam a falta de apetite, cansaço e perda de peso. Infelizmente, o diagnóstico é habitualmente tardio e não está disponível nenhum método de rastreio que permita fazer um diagnóstico precoce. 

Quais são as recomendações da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia para prevenir o aparecimento destes tumores? Fazer o rastreio do cancro de intestino entre os 45 e os 50 anos, fazer análises ao fígado (ALT), não fumar, não beber álcool em excesso, apenas 1 a 2 bebidas por dia, controlar o excesso de peso e fazer exercício físico.

Pedro Narra de Figueiredo
(Médico, Gastroenterologista) 

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