Ver duas imagens, onde só devia estar uma, é um sintoma que preocupa e justifica a necessidade de um diagnóstico. Na maior parte dos casos, a visão dupla ou diplopia resulta de um desalinhamento entre os dois olhos. Existem patologias que podem desencadear este sintoma e, nalguns casos, devem ser identificadas com urgência

A visão dupla (tecnicamente denominada diplopia) é um sintoma frequente na Neuroftalmologia de adultos. Ver duas imagens – onde só devia estar uma -, usualmente aparecendo de forma súbita, é um sintoma debilitante, que preocupa o(a) doente e motiva prontamente a procura dos cuidados de saúde.

Na maior parte dos casos, a diplopia é causada por um desalinhamento, isto é, um estrabismo, entre os dois olhos (diplopia binocular), podendo também – menos frequentemente – ser uma manifestação de patologias intrínsecas do próprio olho (diplopia monocular).

A grande diferença entre estas duas formas é que a diplopia monocular continua a estar presente quando um dos olhos é tapado (ocluído), enquanto a diplopia binocular só é notada quando os dois olhos estão abertos e desalinhados. Daí a importância de, quando alguém notar diplopia, tapar um olho, e depois o outro, para ver se a diplopia se mantém com um dos olhos ocluídos.

Se for esse o caso, esta situação é usualmente secundária à presença de catarata ou irregularidades na córnea e justifica uma referenciação de carácter não urgente. Já a diplopia binocular pode ser causada por várias doenças, tanto patologias benignas, como patologias que necessitam de ser diagnosticadas e tratadas atempada e urgentemente.

Antes de mais, é necessário avaliar se existem sintomas associados. Um(a) doente com queixas de diplopia binocular súbita associada a outros sintomas súbitos, incluindo: fraqueza de um lado do corpo, num braço, perna e/ou face; sintomas sensitivos, como “formigueiro” de um lado do corpo num braço, perna e/ou face; voz “presa” , tecnicamente denominada disartria; vertigem – sensação de ver a andar à roda – e/ou desequilíbrio, está muito provavelmente a sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) numa região do sistema nervoso central, chamada tronco encefálico.

Perante este cenário, este(a) doente deve ser referenciado(a) ou dirigir-se com brevidade a um serviço de urgência. Aqui, um exame clínico dirigido e a realização de exames complementares, incluindo exames de imagem, como tomografia axial computorizada (TAC) crânio-encefálica, permitirão fazer o diagnóstico atempado de um AVC e a possibilidade de iniciar tratamento de fase aguda, que se realizado nas primeiras horas, poderá reverter por completo os défices neurológicos, incluindo a diplopia.

Outro grupo de doentes apresenta diplopia binocular principalmente ao fim do dia, associada a outros sintomas que também ocorrem ou agravam ao final do dia, incluindo, entre outros: fraqueza/queda das pálpebras; fraqueza/fatigabilidade dos membros e/ou pescoço; dificuldade a engolir/mastigar. Esta situação comumente indica a presença de uma patologia autoimune denominada miastenia, na qual o sistema imunitário, desregulado e disfuncional, ataca inadvertidamente as terminações nervosas de alguns músculos, incluindo os músculos responsáveis pelos movimentos dos globos oculares. De novo, um exame clínico focado e a realização de exames complementares, como um eletromiograma, serão fulcrais para fazer o diagnóstico de miastenia. O tratamento da miastenia inclui o uso de anti-inflamatórios – exemplo, corticoides e/ou imunossupressores que, na maioria dos casos, resolverão por completo a queixa de diplopia.

A diplopia binocular também pode ocorrer de forma isolada, isto é, sem sintomas e/ou sinais neurológicos associados. Este é um cenário comum no AVC de pequenas dimensões que afeta um dos 6 nervos – 3 em cada olho – responsáveis pelos movimentos dos globos oculares. Neste caso, uma perda de irrigação sanguínea a cargo de uma pequena artéria leva à disfunção do nervo por si irrigado, tecnicamente chamada parésia microvascular.

Este quadro clínico, ainda que demonstre um bom prognóstico do ponto de vista visual, pois a diplopia desaparecerá espontaneamente em semanas a meses na larga maioria dos doentes, justifica o controlo rigoroso dos fatores de risco vascular, tais como hipertensão arterial, diabetes, dislipidémia, etc e a introdução de terapêutica preventiva com recurso – por exemplo – à aspirina, de forma a diminuir a probabilidade de ocorrência de um novo evento cerebrovascular, afete este o olho, ou outra região no cérebro.

Menos frequentemente, existem outras patologias que podem causar diplopia associada a outros sintomas ou sinais, incluindo tumores, aneurismas, esclerose múltipla, hipertensão intracraniana, doença tiroideia do olho, ou diplopia isolada (sem outros sintomas), incluindo a insuficiência da convergência ou divergência, foria descompensada, descompensação de estrabismo congénito, etc.

O tratamento da diplopia é diverso e depende da causa e do prognóstico em cada caso particular. Inclui a oclusão temporária de um dos olhos, o uso de prismas temporários ou definitivos, exercícios de ortóptica, administração de toxina botulínica e cirurgia, entre outros. 

Em suma, a visão dupla constitui meramente um sintoma. Já as causas são diversas, assim como os tratamentos disponíveis e o prognóstico. É fulcral uma avaliação ocular adequada, que permita ajudar a localizar o sítio da lesão responsável pela diplopia no sistema nervoso, de forma a poder guiar o pedido de exames complementares e posterior orientação terapêutica.

João Lemos
(Médico, Neuroftalmologista)

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