Se a interrupção da produção de estrogénios é causa de múltiplos sintomas e de sofrimento, o óbvio seria uma resposta com terapia de substituição?! Nada fácil, linear ou óbvio. Há boas e más ações que se devem questionar e a medicina de precisão, individualizada e personalizada continua a ser a melhor solução, porque cada caso é um caso…

“Sra. Dra. por favor ajude-me…não aguento mais estes calores! Sra. Dra., o meu marido diz que vai pedir o divórcio porque eu abro as janelas de noite, para acalmar os calores, e ele tem medo de apanhar uma pneumonia! Sra. Dra. eu até tenho vergonha…estou a atender o público e, de repente, fico tão transpirada, com o suor a escorrer pela cara e pelo peito, que tenho que me limpar e disfarçar! Sra. Dra., eu estou a dar aulas e fico muito vermelha, com a cara que parece que vai explodir…os miúdos são malvados e riem-se de mim! Sra. Dra. eu até me sinto bem, mas tenho tantas dores nos ossos que parece que enlouqueço! Sra. Dra., além de uns calores esporádicos sem grande importância, comecei a perder urina no ginásio e deixei de lá ir…agora sinto-me cansada e com dores nos ossos e, pior do que isso, continuo a perder urina quando tusso e quando espirro! Sra. Dra. eu vou enlouquecer porque nunca mais dormi 8 horas seguidas…não sei o que tenho mas não durmo bem e acordo muitas vezes para urinar! Sra. Dra. tem que me ajudar…o meu médico já me deu umas ampolas para a memória mas aquilo não faz nada…esqueço-me de tudo! Sra. Dra. pode-me indicar alguém que me ajude…não tenho vontade de ter relações com o meu marido e ele já anda zangado…tenho medo que arranje outra! Sra. Dra. por favor tire-me esta vontade de comer…já engordei 5 Kg nos últimos 6 meses e, por este andar, não vou caber nas portas! Sra. Dra., foram os meus filhos que me mandaram vir ao médico porque passo a vida a gritar, irrito-me com tudo e, depois, dá-me vontade de chorar…o psiquiatra disse que devia consultar uma ginecologista! Sra. Dra.…, Sra. Dra.…, Sra. Dra.…”

Mulheres normais! Mulheres saudáveis! Mulheres que entraram na menopausa, têm ainda muitos anos de vida útil…um terço da vida passado em menopausa! Mulheres que por um fenómeno fisiológico, normal, como foi anteriormente a menstruação ou a gravidez, passam a sofrer e dão por hipotecada a sua vida profissional, pessoal, familiar e social. Os sintomas são múltiplos, por vezes discretos, mas muitas vezes quase incapacitantes…sintomas que as recordam, várias vezes por dia, que entraram no seu terço final de vida…sintomas que somados às rugas, cabelos brancos, flacidez abdominal, diminuição da força física e, muitas vezes, associados às adversidades acumuladas ao longo de décadas, lhes corroem as entranhas e o pensamento, as desanimam, as deprimem e lhes roubam a alegria e jovialidade. Mulheres em sofrimento físico e psíquico… Mulheres reais, todas elas pessoas importantes e insubstituíveis na sua família, no seu emprego, no seu círculo social…

Estas são as consequências da paragem do funcionamento ovárico e, consequentemente, da não produção de hormonas (estrogénios) que, sem saberem nem lhes darem importância, as mantinham num estado físico de excelência. Esta interrupção da produção de estrogénios é, de facto, a causa de múltiplos sintomas que algumas mulheres experimentam e não gostam! 

Calores e afrontamentos são os mais comuns e, habitualmente, os mais incapacitantes e motivo de procura de ajuda médica. Mas outros como a secura da vagina, a diminuição da líbido, a perda involuntária de urina com o esforço, as dores ósseas, a perda progressiva de memória, as insónias, a falta de energia e de força muscular, o apetite exagerado e incontrolável, o aumento de peso que teima em não ceder a dietas e conselhos de nutricionistas, a acumulação de massa gorda, as variações acentuadas, súbitas e inexplicáveis de humor, a depressão constante são sinais e sintomas que as levam à consulta.

Então, se toda esta cascata de tragédias é consequência de falta de estrogénios, prescrevam-se os benditos estrogénios!

Fácil?

Não! Nada fácil, nada linear, nada óbvio!

Se os estrogénios locais podem ser dados para mitigar queixas do foro uro-genital (incontinência, secura das mucosas, dor nas relações sexuais) e, mesmo assim, de forma faseada e sob controlo médico, uma vez que a sua aplicação constante pode conduzir a absorção sistémica e a ações loco-regionais a nível do endométrio e ovários, a questão é ainda mais problemática no que respeita à terapêutica hormonal sistémica da menopausa.

As hormonas a administrar são diferentes para quem tem útero e quem já não tem. Neste caso, quem não tem útero está mais protegido com esta terapêutica, uma vez que apenas necessitará dos estrogénios. Quem ainda tem útero deverá associar um progestativo para evitar o cancro do endométrio, mas este progestativo poderá ser, por si só, diabólico para as mamas! 

Progestativos…Deuses para o endométrio! Demónios para a mama!

Estrogénios…Demónios para o endométrio! Deuses para a mama? Não!

Na terapêutica hormonal nada deve ser dado como certo! A terapêutica hormonal tem boas e más ações, mas não se confessa ao domingo! O arrependimento é em vão e qualquer ato de contrição não trará, com segurança, a tão desejada reconciliação com a saúde.

Nas mulheres que pedem ajuda para o tratamento de sintomas da menopausa há que avaliar escrupulosamente múltiplos parâmetros de risco individual na história clínica pessoal e familiar. Todas as mulheres são diferentes e todas têm particularidades, por vezes tão subtis…mas tão determinantes! Deve ser eliminado qualquer risco acrescido de tumores hormonodependentes (mama, endométrio e ovário) e devem ser avaliados parâmetros de risco trombogénico e cardiovascular. A TH da menopausa tem riscos! Demasiados riscos para ser prescrita com leviandade.

O cancro da mama continua a ser o risco mais temível e, ao fim de muitos anos e muitas centenas de milhares de mulheres estudadas, concluiu-se que o risco é real e valorizável ao fim de 5 anos de TH com estrogénios e progestativos (mulheres com útero) e 10 anos de terapêutica com estrogénios (mulheres sem útero).

Também as mulheres com mais de 60 anos ainda a necessitarem de TH devem ser cuidadosamente estudadas e, em geral, esta terapêutica deve ser rigorosamente reavaliada pelo risco de cancro da mama e pelo risco cardiovascular (tromboses).

Finalmente, não há sempre nem nunca! A medicina de precisão, individualizada e personalizada, faz todo o sentido no que respeita à TH da menopausa. Cada caso é um caso único e, na consulta seguinte, tudo deve ser revisto novamente, os fatores de risco deverão ser todos cuidadosamente reavaliados. Uma mulher com um determinado risco num ano pode apresentar um risco muito acrescido no ano seguinte. História pessoal, história familiar e hábitos, medicação crónica e comorbilidades de aparecimento recente podem contraindicar em absoluto e em qualquer momento a terapêutica que parecia inicialmente inócua.

A “fiabilidade” da doente também é importante. Se é uma doente pouco cuidadosa, que habitualmente não vem às consultas, não faz os exames complementares prescritos e que se esquece com frequência da medicação, é uma doente que nos perturba e que, por uma questão de segurança, nos obriga a suspender a TH na maioria das vezes.

A TH da menopausa pode e deve ser prescrita sempre que a doente tem indicações e manifesta esse desejo e não apresenta contraindicações evidentes ou detetáveis. O tipo de TH, a forma de administração, a dosagem e a duração variam de mulher para mulher e, mesmo na mesma mulher, podem necessitar de alteração ou ajustamento ao longo do tempo de utilização.

A maioria das vezes a TH da menopausa atua como “divindade”, a mulher sente-se abençoada e a possibilidade de oferecer o “céu” a estas mulheres é muito gratificante para o clínico! Mas cuidado! Quando mal avaliada a doente, ou mal prescrita a terapêutica, esta atuará como um “demónio”, poderá ter consequências irreparáveis e a vida da doente pode transformar-se num “inferno” de sofrimento e de dor.

“A espantosa realidade das coisas” de Fernando Pessoa adquire toda a sua expressão neste tema. Tratar o mal da menopausa é um ato de amor para com as mulheres que sofrem…mas não nos deixemos assombrar pelo deslumbramento do milagre que ele representa…Todos os santos trazem a sombra de um demónio!

Margarida Figueiredo Dias
(Médica Ginecologista)

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