Se o/a questionarem sobre uma eventual hiperatividade do seu filho, pare e pense como tem sido o seu sono. Nas crianças, dormir pouco ou dormir mal pode traduzir-se em sintomas diurnos muito semelhantes aos da perturbação de hiperatividade e défice de atenção, quando afinal o problema estará no sono
O seu filho é daquelas crianças que tem dificuldade em acordar; acorda maldisposto; não consegue estar com atenção ou concentrar-se nas atividades; tem dificuldade na aprendizagem; não sossega; implica com todos; é impulsivo e por vezes agressivo? Em suma “faz-lhe a cabeça em água!”? Os professores já enviaram vários recados e até perguntaram: “Já consultou o médico para ver se ele tem hiperatividade”?
Pois… é que estes são alguns dos sintomas da perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA), uma situação cujo diagnóstico tem vindo a crescer, aproximando-se dos 10% da população pediátrica.
E já lhe perguntaram alguma vez se o seu filho dorme bem?
É que se o seu filho anda a dormir menos – ou pior do que devia – pode manifestar sintomas diurnos muito semelhantes aos da PHDA. O défice de sono pode resultar não só de uma curta duração, como também de uma má qualidade do tempo de sono.
O sono tem um papel ativo no funcionamento de determinadas áreas cerebrais, nomeadamente no córtex pré-frontal, e participa na consolidação das memórias, na função cognitiva, na regulação comportamental e emocional e no estado de alerta. O défice de sono manifesta-se frequentemente por diminuição da capacidade de concentração e abstração, dificuldades de aprendizagem, humor instável, impulsividade e sonolência.
As manifestações de sonolência nas crianças, sobretudo nas mais pequenas, são complexas e por vezes enganadoras manifestando-se, ao invés, por agitação ou hiperatividade. E acontece que, frequentemente, os pais e professores não relacionam os comportamentos diurnos com o sono da noite.
É verdade que a PHDA e os problemas de sono andam muitas vezes associados (mais de 50% das crianças com diagnóstico de PHDA apresentam problemas de sono), havendo mesmo quem questione qual deles é consequência do outro. O diagnóstico correto da PHDA não é simples, exigindo uma abordagem multidisciplinar com realização de várias avaliações e exames. O seu tratamento pode implicar vários apoios terapêuticos e medicamentosos. E, paradoxalmente, alguns dos medicamentos utilizados podem agravar a perturbação do sono.
Existem ainda outras situações em que, por um mecanismo fisiopatológico ou outro, uma das consequências é a redução do tempo ou qualidade do sono. A perturbação respiratória obstrutiva do sono, com um espectro que vai desde o simples ressonar até à síndrome de apneia obstrutiva do sono (SAOS), é uma dessas situações e tem uma prevalência que chega a ultrapassar os 25% da população pediátrica.
A SAOS manifesta-se essencialmente durante o sono por ressonar, pausas respiratórias e mudanças frequentes de posição; depois, durante o dia e como consequência do sono perturbado, surge a hiperatividade e outros problemas comportamentais e de aprendizagem.
Se no adulto com SAOS é clássica a hipersonolência diurna, como consequência da fragmentação do sono noturno, na criança esta manifesta-se mais frequentemente por comportamentos de agitação e impulsividade. Mesmo um quadro menos acentuado e perturbador – como um simples ressonar – pode levar à fragmentação do sono e à cascata sintomática. A hipertrofia das amígdalas e das adenoides, condicionante da interrupção do fluxo respiratório livre e sem obstáculos, uma característica desta situação, é uma das causas mais frequentes do quadro de SAOS na criança. Uma vez feito o diagnóstico, é importante que seja seguida a orientação médica ou cirúrgica, de modo a evitar as consequências.
Mas a inquietude do sono pode ainda ser desencadeada por um problema neurológico, como a síndrome de pernas inquietas (SPI). Caracteriza-se essencialmente por uma sensação de desconforto e urgência em mexer as pernas, que se atenua com o movimento e se agrava com o repouso ou com a chegada da noite.
A imaturidade de expressão das crianças mais pequenas pode tornar difícil a identificação destes sintomas, restando muitas vezes como sinal evocador a dificuldade em adormecer, a que se segue o sono agitado com muitos movimentos/pontapés e múltiplos despertares e o consequente sono fragmentado. A história familiar com sintomatologia semelhante pode favorecer a hipótese diagnóstica, já que o papel da hereditariedade no SPI é frequente.
Mas, a particularidade deste complexo de situações que conduzem ao défice de sono, é que estão todas “entrelaçadas” e podem ser concomitantes: das crianças com PHDA, mais de 50% tem problemas de sono, sendo que metade destas podem ter perturbações respiratórias obstrutivas do sono e/ou síndrome de pernas inquietas. Inversamente, nas crianças com estes problemas clínicos, uma das morbilidades frequentemente associadas é a PHDA.
Alguns estudos têm demonstrado que a melhoria das condições do sono, começando pela aplicação das medidas gerais de higiene do sono, bem como o tratamento destes problemas clínicos, pode levar a uma redução das manifestações de hiperatividade e, no caso da PHDA, à diminuição ou suspensão da medicação e até à alteração de diagnóstico.
Em suma, se o seu filho apresenta hiperatividade ao longo do dia, tome atenção às características do seu sono. Verifique se dorme o número de horas adequado à idade, se ressona, ou se mexe muito as pernas durante o sono. Verifique o cumprimento das medidas gerais da higiene do sono e solicite orientação ao seu médico assistente, para caracterização do sono do seu filho e tratamento de alguma patologia subjacente que possa estar, eventualmente, a mimetizar um quadro de perturbação de hiperatividade e défice de atenção.
Um sono de maior duração e de melhor qualidade pode reduzir a hiperatividade que se manifesta durante o dia.
(Médica Pediatra, com competência em Medicina do Sono)
Idade | Tempo de Sono Recomendado |
0-3 meses | 14 a 17 horas |
4-11 meses | 12 a 15 horas |
1-2 anos | 11 a 14 horas |
3-5 anos | 10 a 13 horas |
6-13 anos | 9 a 11 horas |
14-17 anos | 8 a 10 horas |
18-25 anos | 7 a 9 horas |
Bom dia Drª Helena
ReplyRecordo-a como médica do meu filho (mais ou menos em 1993) quando o tratou na sequência de uma virose por citomegalovirus.
Já na altura a minha profissão me levava a questionar certos comportamentos de crianças que tinha nas diferentes turmas e hoje, li com grande interesse o seu artigo sobre a SAOS.
Assusta-me cada vez mais a quantidade de crianças medicadas para a PHDA e fico grata pela partilha/informação. Esta será uma questão que abordarei com maior enfase a partir de agora, com os pais, sobretudo quando sei que muitos dos nossos adolescentes dormem com o telemóvel ao lado e passam noites a jogar ou a verificar notificações
Com consideração
Fernanda Fidalgo