Os caminhos mudaram. Ganharam barreiras, ficaram espessos e inflamados. Respirar por entre estas “cicatrizes” irá dificultar a troca gasosa e por isso parece que o ar desapareceu. Sente-se a falta. A fibrose pulmonar deixa uma marca e afeta necessariamente a respiração. É preciso parar a progressão
O termo fibrose pulmonar significa que uma parte do tecido pulmonar, conhecido como interstício, se encontra danificado por fenómenos cicatriciais, de espessamento e alteração da estrutura do próprio tecido. Vulgarmente diz-se que se vão formando “cicatrizes”. Este interstício pulmonar funciona como uma rede que suporta os alvéolos e os coloca em estreita relação com os capilares sanguíneos, para que as trocas gasosas possam ser efetuadas. Havendo doença do interstício pulmonar, significa necessariamente que essas trocas gasosas serão mais difíceis de realizar, uma vez que o que era suposto ser uma fina barreira entre o ar e o sangue, passa a ser uma barreira espessa, inflamada, difícil de atravessar mesmo para gases com elevada afinidade pelo sangue, como é o oxigénio.
No caso da fibrose pulmonar, estas “cicatrizes” que se vão formando de forma progressiva são irreversíveis, isto é, não existe atualmente nenhum tratamento que transforme este tecido pulmonar alterado em tecido normal outra vez. Isto explica a necessidade de se identificarem estas alterações, tão cedo quanto possível, para tentar evitar a sua progressão e, com isso, a gravidade da doença.
Existem vários tipos de fibrose?
Existem várias doenças do interstício que podem provocar fibrose pulmonar, isto é, a fibrose em si pode ser encontrada em diferentes contextos de doença respiratória. Dentro deste grupo de doenças, temos doenças de causa conhecida, ou seja, que sabemos qual o agente causal, e doenças de causa desconhecida, designadas habitualmente como idiopáticas.
As doenças que mais frequentemente causam fibrose pulmonar são: a Fibrose Pulmonar Idiopática e a Sarcoidose, enquanto doenças de causa desconhecida; a fibrose pulmonar associada a doenças autoimunes como a Artrite Reumatoide ou a Esclerose Sistémica, a Pneumonite de Hipersensibilidade Crónica ou algumas Pneumoconioses, como a Asbestose ou a Silicose, que são doenças de causa conhecida.
Embora a lesão de fibrose pulmonar seja semelhante em várias destas doenças, a sua evolução e resposta ao tratamento pode ser consideravelmente diferente, consoante a doença em questão. Isto obriga o médico a fazer uma pesquisa exaustiva das possíveis causas de fibrose, para que possa assim fornecer a melhor terapêutica, bem como o melhor aconselhamento possível.
Que sintomas?
O sintoma mais frequentemente associado à fibrose pulmonar é a falta de ar, particularmente quando se faz esforço físico. Esta falta de ar evolui habitualmente de uma forma insidiosa, ou seja, vai agravando progressivamente com o tempo, tornando-se cada vez mais importante e limitativa, até surgir falta de ar mesmo em repouso.
Outro sintoma muitas vezes associado é a tosse. Esta é habitualmente seca, irritativa, por vezes de difícil controlo e condicionadora de agravamento da falta de ar, quando há acessos de tosse mais violentos.
Também a sensação de cansaço ou fadiga, a perda de peso não intencional, a falta de apetite ou uma respiração mais rápida e superficial podem ser sintomas associados.
Os sintomas não surgem logo na fase inicial da doença e, por isso, muitas vezes a fibrose é diagnosticada numa fase tardia da sua evolução, porque os sintomas, pouco específicos, se foram instalando progressivamente, muitas vezes sendo desvalorizados pelo próprio doente que os atribui a outras causas ou doenças de que padece.
Como se faz o diagnóstico?
Por regra, a história clínica bem-feita é o primeiro passo. É importante identificar a sintomatologia, as exposições a que o doente esteve exposto, as medicações que toma e a história familiar de doença respiratória.
O exame médico pode ajudar num diagnóstico mais precoce, pois muitas vezes esta fibrose traduz-se por alterações características à auscultação pulmonar, com os designados fervores, que são uns sons pulmonares semelhantes a velcro ou um pisar de folhas secas. Por vezes o doente também apresenta uma alteração da configuração dos seus dedos, chamados dedos em baqueta de tambor, em que a extremidade distal se encontra mais arredondada e saliente em relação ao resto do dedo.
No entanto, é sempre necessário um exame de imagem, designadamente uma tomografia computorizada de alta resolução do tórax (TCAR), para confirmar a presença de fibrose. A partir desta identificação terá que ser feito o estudo de possíveis causas com a realização de outro tipo de exames, que envolvem análises específicas, estudo da função respiratória, videobroncoscopia com lavagem broncoalveolar e, por vezes, biopsia pulmonar. Será com base em todos estes exames que o seu médico pneumologista poderá chegar a um diagnóstico definitivo e prescrever o início do tratamento mais correto.
Há fatores de risco?
Sim, há vários fatores de risco que poderão promover o desenvolvimento de fibrose pulmonar. Desde logo, a exposição ao tabaco é um fator de risco importante para a fibrose pulmonar, particularmente no caso da Fibrose Pulmonar Idiopática, que é a forma mais grave de doença fibrosante.
A exposição a partículas orgânicas (como proteínas aviárias, presentes nas penas das aves, ou fungos) ou inorgânicas (como o asbesto ou a sílica, frequentemente usados por exemplo na construção civil) podem originar doenças como, respetivamente, a Pneumonite de Hipersensibilidade ou as Pneumoconioses, que poderão cursar com fibrose pulmonar.
A doença do refluxo gastroesofágico também predispõe a maior risco de desenvolver fibrose pulmonar, particularmente se não for tratado.
As infeções respiratórias de repetição são outro fator de risco para o desenvolvimento de fibrose pulmonar, daí a necessidade de prevenir infeções, nomeadamente através da vacinação.
Fatores genéticos, a idade avançada e o sexo masculino são outros fatores comummente associados a doenças fibrosantes.
Como posso tratar a minha fibrose pulmonar?
Os tratamentos farmacológicos são diferentes, consoante a doença em causa, mas o seu médico pneumologista saberá fornecer o melhor esquema terapêutico para o seu caso. Hoje em dia existem várias classes de medicamentos que podem ser utilizadas e, mais recentemente, surgiram duas novas armas terapêuticas, chamados os anti-fibróticos, que vieram revolucionar o tratamento destas doenças, particularmente da Fibrose Pulmonar Idiopática, a mais grave das doenças fibrosantes, cuja esperança média de vida, antes do aparecimento destes anti-fibróticos, rondava os 3-5 anos após o diagnóstico.
Para além de medicamentos, há outras formas de complementar o tratamento e que devem ser proporcionadas a todos os doentes, de acordo com a gravidade da sua situação clínica:
– Reabilitação respiratória: todos os doentes devem fazer regularmente programas de reabilitação respiratória, adequados à gravidade da sua doença. Este tipo de programa pode prescrito pelo seu médico assistente.
– Exercício físico regular: Todos os doentes, independentemente da gravidade da sua doença, devem ser encorajados a manter atividade física regular. O cansaço que sente só vai aumentar se deixar de fazer qualquer atividade física, pois perde massa muscular essencial para manter a tolerância ao esforço.
– Oxigenoterapia: Uma vez que a fibrose pulmonar compromete a eficaz troca gasosa, leva frequentemente a insuficiência respiratória, isto é, os valores de oxigénio do sangue com o doente em repouso ficam gravemente comprometidos. O seu médico pode recomendar oxigénio suplementar para o ajudar a respirar mais facilmente. A oxigenoterapia mantém o nível de oxigénio no sangue acima de um determinado nível, o que reduz a falta de ar e permite o normal funcionamento de todos os órgãos.
– Boa nutrição e prevenção de infeções: Manter um bom status nutricional permite manter mais atividade física, cansar-se menos e combater um dos efeitos das doenças fibrosantes que é a perda de peso. As infeções não só são um fator de risco que promove a própria fibrose, mas também condicionam o seu agravamento pelo que lhe deve ser recomendado que se vacine contra a gripe, contra a pneumonia pneumocócica, contra a tosse convulsa e contra a COVID-19.
– Transplantação pulmonar: em casos muito graves e pouco responsivos ao tratamento, pode haver indicação para ser referenciado a um Centro de Transplantação Pulmonar. Nem todos os doentes são elegíveis para transplante pulmonar e este não deve ser entendido como uma cura, uma vez que implica uma decisão que deve ser devidamente ponderada e analisada.
Sara Freitas
(Médica Pneumologista)
Realmente é uma doença malvada !!!!
ReplyPois foi responsável por ter levado o meu pai mais cedo ….. embora tenha sido acompanhado em
Coimbra na pneumologia e terem proposto um medicamento para atenuar ou atrasar essa maldita doença mas nunca chegou a ser administrado …. Não sei o porque …. Talvez porque já fosse uma pessoa de idade ou outro motivo qualquer o que é certo e que não chegou a ser dado …..
Conheci alguém, de modo nenhum idoso, que faleceu com a doença descrita. Lembro-o com muita saudade e com muita tristeza, perguntando-me como foi possível a quem com ele convivia diariamente não se ter apercebido de que havia uma situação grave a enfrentar. O próprio talvez tenha procurado não revelar quanto sofria. Que ninguém minimize nem esconda o sofrimento. Quem desaparece demasiado cedo … não volta mais, e deixa à família e amigos uma mágoa sem fim.
Reply