As técnicas robóticas já auxiliam na localização e navegação, os algoritmos fazem análises preditivas de resultados. Há impressão de próteses em 3D, elétrodos para fazer estimulação cerebral profunda e neuro modulação não invasiva. Mas toda esta panóplia tecnológica – que pode entrar dentro de uma sala de operações – em nada substitui o operador, que é a pessoa humana. A máquina não substituiu o neurocirurgião

Numa frase da figura maior da Neurocirurgia portuguesa, o Prof. João Lobo Antunes (1944 – 2016): “Não sei o que nos espera, mas sei o que me preocupa: é que a medicina, empolgada pela ciência, seduzida pela tecnologia e atordoada pela burocracia, apague a sua face humana e ignore a individualidade única de cada pessoa que sofre, pois embora se inventem cada vez mais modos de tratar, não se descobriu ainda a forma de aliviar o sofrimento sem empatia ou compaixão.”

E assim é. 

A Inteligência Artificial e as novas tecnologias não mudaram o caminho da neurocirurgia. Ajudam a fazer o caminho é certo, retiram algumas “pedras”, admito, mas no fim do dia, é o neurocirurgião que continua a desempenhar o ato de “curar”.

A neurocirurgia conheceu a grande evolução na década de 60, com a intervenção do Prof. Gazi Yasargil, considerado um dos maiores neurocirurgiões da história, nascido na Turquia em 1925 e tendo exercido a maioria da sua atividade profissional em Zurique, na Suíça. Foi ele que revolucionou a neurocirurgia, com o desenvolvimento da micro neurocirurgia, integrando o uso do microscópio cirúrgico e de técnicas delicadas e precisas.

Desenvolveu uma linha de instrumentos finos, leves e eficazes para a microdissecação em cirurgias vasculares e tumorais. Hoje, muitos cirurgiões ainda se referem a pinças, tesouras ou aspiradores como “instrumentos Yasargil. Estabeleceu padrões de abordagem cirúrgica e técnicas de dissecação microcirúrgica, com a preocupação fundamental de diminuir a possibilidade de agressão do cérebro, especialmente para:

• Aneurismas cerebrais

• Malformações arteriovenosas

• Tumores intracranianos profundos

Portugal também contribuiu para o desenvolvimento da Neurocirurgia, na figura do Prof. Egas Moniz, considerado o pai da angiografia cerebral e um dos criadores da leucotomia pré-frontal (lobotomia), que hoje é considerado um procedimento desumano mas que numa época (anos 30) em que ainda não eram conhecidos os atuais medicamentos usados em Psiquiatria se apresentava como tratamento único de certos distúrbios psiquiátricos.

Esta técnica foi amplamente utilizada nos Estados Unidos da América pelo Sr. Walter Freeman (1895 –1972), que realizou pessoalmente uma modificação da técnica designada como “do picador de gelo”, uma abordagem sem craniotomia (abertura do crânio), usando um instrumento similar a um picador de gelo (chamado orbitoclast).

No Século XXI as inovações não pararam e avançaram ao ritmo da evolução tecnológica. Os microscópios são de elevada qualidade, com técnicas de realce de estruturas e possibilidade de visualização em 3D ou com realidade aumentada. E as técnicas robóticas também têm sido amplamente aplicadas na Neurocirurgia, mas como auxílio à localização e navegação assistida, já que a margem de erro exigida na maioria dos procedimentos não é compatível com a dispensa de neurocirurgião. Algumas destas novas técnicas também têm aplicação na cirurgia da coluna, principalmente a microscopia ou a cirurgia por navegação.

Diversos sistemas têm sido desenvolvidos ao longo dos anos, com mais ou menos sucesso, associados muitas vezes às próprias firmas que desenvolvem e comercializam o material de aplicação. Como seria de esperar, o advento das novas tecnologias vem – nos nossos tempos – associado ao seu potencial económico, quer para as empresas que as comercializam, quer para os cirurgiões que as utilizam.

Já que (habitualmente) são investimentos avultados. Porque a tecnologia é cada vez mais cara!

Assim, assiste-se ao desenvolvimento do Marketing na Medicina e da difusão da noção de que o que é mais caro e moderno é melhor. A remuneração do médico e o benefício da indústria pode assim ser maior consoante a tecnologia aplicada. A tendência é para aplicar cada vez mais tecnologia, com a mensagem de que o resultado final pode ser melhor.

Infelizmente nem sempre assim é…

A própria literatura médica é influenciada (por vezes) pelos patrocinadores dos estudos, o que, na época em que vivemos, com a difusão rápida e facilitada da informação, acaba por ter implicações na popularização de determinadas formas de tratamento.

Claro que a Inteligência Artificial representa também aqui uma evolução considerável, mas não na perspetiva da substituição do médico pela máquina, mas pela possibilidade da análise preditiva de resultados, triagem de exames de imagem e planeamento cirúrgico. Por exemplo: Algoritmos que preveem complicações em cirurgias de coluna ou neuro-oncologia e pela personalização de condutas com base em grandes bases de dados (Big Data).

Novas terapias têm sido desenvolvidas também com base na Engenharia Genética, por exemplo com a utilização de vetores virais capazes de interferir com a expressão dos genes de tecidos normais, doentes ou tumorais, com potenciais aplicações terapêuticas em estudo. Assistimos ainda a um grande desenvolvimento no campo dos Biomateriais e Impressão em 3D de próteses para utilização em cirurgia de crânio, coluna ou outras localizações, com a utilização de materiais cada vez mais biocompatíveis.

Por outro lado, a utilização de técnicas de imagem mais detalhadas, como a Ressonância Intraoperatória e Ecografia de Alta Definição permitiu também a melhoria da planificação e realização de determinados procedimentos cirúrgicos, como a ressecção de tumores e malformações vasculares, pela capacidade de aferição em tempo real da eficácia do procedimento e deteção de potenciais complicações.

Outra vertente aplicada na Neurocirurgia passa também pela Estimulação Cerebral

Profunda (DBS) de Última Geração, com aplicação de elétrodos direcionais ligados a programadores implantáveis, proporcionando um desenvolvimento rápido na forma de tratar doenças como o Parkinson, Tremor Essencial, Transtornos Obsessivo-Compulsivos ou depressão refratária. Para estes casos, o recurso à Inteligência Artificial poderá permitir ajustes mais eficazes em tempo real. Devemos ainda incluir a estimulação por neuro modulação Não Invasiva, com a aplicação na dor crónica, reabilitação neurológica e transtornos psiquiátricos, recorrendo a dispositivos estimuladores implantados sob a pele ou externos. De sublinhar ainda que no campo da cirurgia da coluna, a Cirurgia Endoscópica e Minimamente Invasiva tornaram-se cada vez mais difundidas, beneficiando cada vez mais do auxílio das modernas técnicas de vídeo e microscopias de alta definição.

Mas no fim do dia e voltando a lembrar o pensamento do Prof. Lobo Antunes, é preciso não esquecer a finalidade última do ato de cuidar: “a melhoria do sofrimento humano”, que apesar de toda a tecnologia, experiência acumulada, meios económicos, suor e lágrimas empregados, nem sempre é conseguida. Porque o tecido utilizado neste labor é o humano, frágil, com variação individual, sujeito a desgaste, envelhecimento e deterioração final, para a qual toda a nossa tecnologia se apresentará sempre como risível.

Gonçalo Costa
(Médico, Neurocirurgião)

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