O ruído sonoro há muito que se contrapõe ao silêncio. É o refúgio das últimas décadas. Desaprendemos o que é estar em silêncio

Precisamos de estar On e acreditamos que não existimos se estivermos Offline. E isso tem implicações. Na nossa mente, na nossa vida, na vida dos que nos são próximos… Continuamos a acelerar e a ter muita pressa. Estar On exige isso mesmo, independentemente das horas ou do dia da semana.

Não estou a sugerir que nos tornemos peregrinos (mal não faria, é certo), nem tão pouco que nos isolemos, mas deverá existir um meio-termo entre este bombardear de informação constante e os momentos de silêncio e de paz que todos nós precisamos. A criatividade precisará desse silêncio e a saúde mental também. 

Afinal, não é isso que começamos agora a falar?! A saúde mental pós-COVID como será? – Questionam. Mas, pergunto eu, e como era antes? Foi o SARS-CoV2 que nos mudou ou, por outro lado, o diagnóstico já não era bom. Lembro-me de ler nos jornais que os portugueses tinham o recorde de vendas de antidepressivos. Éramos dependentes deles. E agora, como estamos?

Continuamos muito ocupados com o ruído e consumimos tudo sem regras. Entram as tricas do futebol, a par com a genialidade da ciência e com as estatísticas da vacinação. Ainda misturamos o número diário de casos COVID, com os números de internamentos e de mortes, juntamos as opiniões de quem anda a pensar nestas coisas ou a falar do que ouviu dizer. E não podemos esquecer as oscilações dos mercados e da bolsa, as bitcoins, a inflação, o aumento de todos os preços… Pelo meio, temos de espreitar o que se anda a dizer nas redes sociais. Colocamos gosto, em um ou outro post, é necessário fazer scroll, para que nada nos escape – mas este rolo não é de pergaminho, é digital -; twitamos e ainda vigiamos como foi o dia no Instagram. Como arranjamos tempo para tudo, não sei. 

Se calhar não dormimos, se calhar não socializamos, se calhar trabalhamos pouco, se calhar não olhamos para os que moram na nossa casa, se calhar nunca paramos, se calhar não vivemos…

O que fizemos ao silêncio e à contemplação? Na Grécia Antiga a vida contemplativa era um espaço para os privilegiados. E deu frutos. Repensaram a vida, a Filosofia, a Medicina, a Matemática, a Física, a Política, a Arte… Acreditavam que a Ciência os aproximava dos Deuses. Hoje, insistimos em ser escravos, em vez de Deuses. Desaprendemos o que é ficar em silêncio.

António Travassos
(Médico, Oftalmologista)

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