Começa a ser comum nas salas de urgências encontrar jovens adultos fisicamente saudáveis, mas que insistem que estão a morrer de ataque cardíaco. Na verdade, o ataque é de pânico, uma forma grave e extrema de ansiedade, com sintomas que podem ser incorretamente diagnosticados, mas que na verdade não apresentam um perigo real. A maioria recupera sem tratamento, os outros desenvolvem uma perturbação de pânico…
Segundo a literatura psiquiátrica, a base etimológica do termo “pânico” tem origem na mitologia grega, vindo do nome do Deus Pã. Na história da Grécia antiga, um dos Deuses, Pã, divindade dos bosques, dos campos e montanhas, que possuía chifres e pés de bode, tinha o hábito de pregar sustos às pessoas, deixando-as receosas, amedrontadas, apavoradas, ou seja, literalmente em pânico. Hoje, não é bem assim. O medo intenso e excessivo, sem razão aparente, instala-se subitamente.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a ansiedade é o sintoma psicopatológico mais frequente, estando entre os principais problemas de saúde mental a nível mundial. Sendo uma característica biológica comum entre os seres vivos, pode ser uma emoção ou reação normal a uma ameaça e desempenha um importante papel na sobrevivência. Porém, a ansiedade pode tornar-se num estado patológico, fora de controlo, caracterizado por um medo intenso e excessivo, sem nada que o desencadeie, como acontece, por exemplo, num ataque de pânico.
Um ataque ou crise de pânico é uma forma grave e extrema de ansiedade, que parece “vir do nada” e pode até surgir durante o sono. Geralmente as crises desencadeiam-se subitamente, com grande imprevisibilidade de ocorrência, com ansiedade muito intensa e sintomas mentais de sensações de medo extremo, perda de controlo e morte iminente, atingindo a máxima intensidade nos primeiros dez minutos e, habitualmente, desaparecem em uma hora. Normalmente, as pessoas são incapazes de identificar a origem dos seus medos, podem encontrar-se confusas e ter dificuldades de concentração. Estes sintomas podem-se apresentar com um ou mais sintomas físicos (como taquicardia, palpitações, dor no peito, tremores, tontura ou falta de ar).
Geralmente, a primeira crise de ansiedade não se identifica como tal e a pessoa recorre ao serviço de urgência preocupada e assustada pelos sintomas físicos associados, e sempre com a sensação de que os seus sintomas implicam uma doença de extrema gravidade.
As preocupações somáticas de morte, por um problema cardíaco ou respiratório, são o principal centro de atenção dos doentes com ataques de pânico. De repente, sentem que o coração acelera, que não conseguem respirar e que vão sufocar. Sentem-se enjoados, com a sensação de alteração física importante, o que os leva a considerar que estão em perigo de morrer. Durante um ataque de pânico, até 20% dos doentes apresentam episódios de tipo síncope ou desmaio, com perda momentânea dos sentidos, durante alguns segundos apenas, e com recuperação espontânea. Nas salas das urgências podemos ver doentes jovens, pessoas saudáveis fisicamente que, não obstante, insistem que estão ao ponto de morrer de um ataque cardíaco.
A prevalência dos ataques de pânico é muito comum, ocorrendo sobretudo em adultos jovens, na faixa etária entre 20 e 45 anos, de ambos os sexos, com predomínio do sexo feminino.
Os ataques de pânico podem ocorrer, quer isoladamente, quer no contexto de qualquer perturbação de ansiedade (perturbação de ansiedade generalizada, perturbação de pânico, fobias, perturbação de stress pós-traumático), bem como de outras perturbações mentais (por exemplo, perturbações depressivas, de stress pós traumático, de uso de substâncias) e em algumas condições médicas (por exemplo, cardíaca, respiratória, vestibular, gastrointestinal).
Diferente dos pesadelos
Os ataques de pânico durante o sono, embora limitados e breves, são despertares súbitos, violentos e angustiantes, com importante sintomatologia ansiosa e neurovegetativa, verificando-se grande dificuldade em conciliar o sono de novo. Parecem ocorrer com frequência durante o sono NREM, na fase 2, no período transicional para o sono profundo, diferenciando-se assim dos terrores noturnos, que se produzem durante o sono lento profundo, e dos pesadelos, que têm lugar durante o sono REM. Alguns doentes têm ataques de pânico exclusivamente durante o sono. Um estudo poligráfico do sono ou polissonografia é geralmente recomendado para excluir a síndroma de apneia do sono, parassónias ou outros distúrbios primários do sono. Certos doentes com ataques de pânico durante o sono, podem mesmo desenvolver medo condicionado, evitando o sono, o que pode causar maior privação de sono e, portanto, agravamento da situação.
Não basta ter ataques de pânico para ter uma perturbação de pânico. Geralmente, a maioria das pessoas recupera das crises de pânico sem tratamento, porém, outras desenvolvem uma perturbação de pânico, que deve ser diagnosticada quando a pessoa desenvolve a preocupação em ter outros ataques de pânico e/ou modifica seu comportamento para tentar evitar as crises.
No mecanismo do pânico há, entre outras, várias teorias bioquímicas relacionadas com alterações a nível dos neurotransmissores e a nível das vias cerebrais. Parece existir um défice na transmissão e coordenação de informações sensoriais a nível cortical e no tronco cerebral, resultando em atividade aumentada da amígdala, com consequente ativação neuroendócrina, comportamental e automática.
Para fazer o diagnóstico, é importante considerar as condições clínicas que podem causar sintomas semelhantes a ataques de pânico (como arritmias, isquemia cerebral, doença coronária, tireotoxicose, feocormocitoma). A história clínica e o exame físico devem ser suficientes para excluir essas condições; caso subsistam dúvidas, exames complementares específicos devem ser sempre considerados.
Alívio do sofrimento
As crises de pânico são tratáveis e controlam-se de forma rápida e eficaz, com qualquer benzodiazepina por via oral, sendo psicofármacos bem tolerados. É bom condicionar, de forma simultânea, um ambiente de confiança e tranquilidade, explicando sempre ao doente o que está a acontecer e a interpretação errada que está a fazer dos seus sintomas neurovegetativos. O objetivo do apoio psicológico ao doente é o alívio do sofrimento, pela compreensão e pela elaboração da ansiedade,
e visa diminuir as fantasias de morte e de incapacidade física ou psíquica. Com a compreensão e a aceitação do seu estado, o doente adquire algum controle sobre a ansiedade e ocorre uma diminuição na intensidade.
Quando não existem antecedentes prévios de crises de pânico, é aconselhável e tranquilizador para o doente, o médico realizar um eletrocardiograma que descarte uma crise coronária. Em alguns casos, durante o ataque de pânico, pode-se propor ao doente, inspirar e expirar dentro de um saco de papel (re-respiração), para prevenir uma crise de tetania, derivada da hiperventilação mantida (que diminui o dióxido de carbono no sangue). Na perturbação de pânico, o tratamento pode incluir medicamentos antidepressivos, psicoterapia (terapia cognitivo-comportamental) e terapias de terceira geração baseadas em mindfulness.
Um estilo de vida saudável pode ser, seguramente, um bom aliado para evitar crises de ansiedade. É importante uma alimentação equilibrada, devendo-se evitar alimentos ou bebidas com estimulantes (café, chá, chocolate, coca-cola e refrigerantes). A prática adequada e regular de exercício físico pode melhorar a saúde e bem-estar. O sono deve ser uma prioridade, com uma boa higiene e horários regulares de levantar e deitar, devendo sempre ser cumpridas entre sete a oito horas de sono diárias, estando demonstrado cientificamente, que dormir menos de seis horas é claramente perigoso para a saúde. Vigiar os pensamentos e evitar andar preocupado e stressado, fomentando atitudes positivas, pode ajudar a melhorar o padrão de cognição de sensitividade ansiosa.
Joana Serra
(Médica, Psiquiatra)

Parabéns ao Centro cirúrgico por promover estes artigos da autoria dos profissionais de saúde,
ReplyTema de grande atualidade e com exposição muito clara e extremamente organizada. O texto em apreço deveria constar das aprendizagens dos alunos desde o terceiro ciclo e deveria ser incluído nos desdobráveis,das salas de espera, dos diferentes serviços hospitalares,para benefício de muitos.Em todo o texto existe um fio condutor!!Muito OBRIGADO!Parabéns,Dra Joana Serra.
ReplyFelicito os autores pela qualidade das exposições que são muito úteis.
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