Sem respiração não há vida. Captar oxigénio e, simultaneamente, libertar o dióxido de carbono é o processo de trocas gasosas que fornece “alimento” essencial ao ser humano. Mas, a par com o oxigénio, partículas indesejadas depositam-se nas vias aéreas. As poeiras, fungos, fuligem, bactérias e vírus, entram sem serem convidados e o ar que nos alimenta, também pode ser o mesmo que nos adoece. A qualidade do ar já afeta 91% da população mundial

A respiração é algo inerente à vida e ao ser humano. As trocas gasosas que assim são efetuadas permitem não só fornecer o “alimento” essencial ao organismo, o oxigénio, bem como libertar-nos daquilo que nos é tóxico, o dióxido de carbono. 

Quando uma pessoa inspira, o ar entra pela boca ou nariz e chega até aos pulmões através da traqueia que, por sua vez, se divide em duas árvores brônquicas, que se vão sucessivamente subdividindo até aos bronquíolos. No final dos bronquíolos existem uns pequenos sacos de ar denominados alvéolos, que se encontram rodeados por uma teia de minúsculos vasos sanguíneos.

Esta intrincada arquitetura permite executar a mais nobre das funções orgânicas, captar oxigénio do ar presente nos alvéolos e livrar-se do dióxido de carbono trazido na corrente sanguínea, através de uma delicada membrana, a membrana alveolocapilar. Esta barreira entre o ar e o sangue tem não mais que 1 mícron de espessura. 

O interior dos pulmões é a mais extensa superfície do corpo em contato com o meio ambiente. Num adulto, estima-se que essa área de contato é, aproximadamente, do tamanho de um campo de ténis. Essa considerável área é fundamental para garantir uma troca gasosa eficiente. Entram e saem dos pulmões cerca de 5 a 8 litros de ar por minuto, quando a pessoa está em repouso mas, durante o exercício, esse valor pode superar os 100 litros de ar por minuto. Inevitavelmente, esse ar contém partículas e gases potencialmente nocivos. 

Certas partículas, como poeiras, fuligem, fungos, bactérias ou vírus depositam-se nas vias aéreas. O sistema respiratório possui mecanismos de defesa para a sua limpeza e proteção que conseguem gerir a maior parte destas agressões diárias. No entanto, em condições de sobrecarga destas partículas e/ou de défice de resposta nas defesas do organismo, estes mecanismos de proteção podem ser ultrapassados e gerar doença respiratória.

A pandemia da COVID-19 que atravessamos vem precisamente recordar-nos quão mortíferas podem ser as doenças respiratórias. O impacto destas doenças em todo o mundo é avassalador e tem vindo a aumentar. Referindo algumas das doenças respiratórias mais frequentes, a pneumonia mata milhões de pessoas todos os anos, sendo a principal causa de morte em crianças e idosos, e a principal causa de internamento em adultos. 65 milhões de pessoas sofrem de Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC), que mata, anualmente, 3 milhões de pessoas, representando a terceira causa de morte a nível mundial. A tuberculose afeta 10 milhões de pessoas e causa a morte de 1,6 milhões todos os anos. O cancro do pulmão é a causa de morte de 1,76 milhões de pessoas por ano, sendo atualmente o tipo de tumor mais mortífero. 334 milhões de pessoas sofrem de asma, a doença crónica mais comum em idade pediátrica, afetando 14% das crianças a nível global. 

O aumento da incidência de doenças respiratórias está, em grande parte, relacionado com a exposição a fatores de risco, nomeadamente o tabagismo e a poluição ambiental. Atualmente estima-se que 91% da população mundial habite em zonas cuja qualidade do ar está abaixo dos limites recomendados pelas autoridades ambientais e de saúde.

Em 2017, o Forum of International Respiratory Societies e a Organização Mundial de Saúde instituíram o Dia Mundial do Pulmão, assinalado desde então a 25 de setembro, com o intuito de sensibilizar os cidadãos para esta temática.

“Cuide dos seus pulmões” foi o mote lançado para este ano, reafirmando a existência de quatro pilares fundamentais para uns pulmões saudáveis:

Tolerância zero ao tabaco: 

A cessação tabágica é a melhor forma de cuidar dos pulmões, sendo o tabaco o principal responsável pelas doenças pulmonares e causando a morte a mais de oito milhões de pessoas anualmente; 

  • Existe ainda evidência científica crescente que alerta para o uso de sistemas eletrónicos de administração de drogas inaladas, maioritariamente nicotina e canabinóides, vulgarmente conhecidos como cigarro eletrónico, vaping ou tabaco aquecido, que promovem a destruição do tecido pulmonar e diminuem as defesas naturais contra infeções e cancro, para além das emissões desses dispositivos serem prejudiciais para os pulmões;
  • A cessação tabágica tem o potencial de reverter alguns dos malefícios provocados pelo tabaco, mas não todos. É, por isso, essencial atuar precocemente para prevenir o desenvolvimento de doença pulmonar crónica, que é irreversível; 
  • Os benefícios da cessação tabágica são quase imediatos: após 20 minutos, a frequência cardíaca desce; dentro de 12 horas, os níveis de monóxido de carbono normalizam; em 2-12 semanas, melhora a circulação e a função pulmonar; dentro de 1-9 meses, diminuem a tosse e a falta de ar; entre 5-15 anos, o risco de enfarte do miocárdio iguala o dos não fumadores; dentro de 10 anos, a taxa de cancro do pulmão reduz para metade da dos fumadores; em 15 anos, o risco de doença cardíaca iguala o dos não fumadores;

– Vacinas que protegem: 

  • A vacinação pode proteger de uma série de doenças infeciosas e ajudar a manter os pulmões saudáveis. Pneumonia pneumocócica, COVID-19, gripe e tosse convulsa são alguns dos exemplos de doenças respiratórias que podem ser prevenidas através da vacinação;

– Respirar ar puro: 

  • A poluição atmosférica mata todos os anos aproximadamente sete milhões de pessoas. 
  • A poluição atmosférica tem um impacto negativo na saúde humana, desde o recém-nascido ao idoso, uma vez que os pulmões são o primeiro ponto de entrada desta poluição no organismo e, consequentemente, o primeiro órgão afetado;

– Exercício físico regular

  • A prática de exercício físico, quer para pessoas saudáveis quer para doentes respiratórios, promove uma melhoria da qualidade de vida e é uma forma de cuidar dos pulmões.

Todas estas ações promovem a qualidade da saúde respiratória e devem ser encaradas individualmente e em comunidade, particularmente junto das autoridades decisoras que possam promover hábitos de vida mais saudáveis, uma melhoria da qualidade do ar e uma prevenção eficaz da doença respiratória, nomeadamente pela vacinação e pelo desincentivo de hábitos tabágicos. No entanto, a pandemia da COVID-19 veio mostrar-nos que a atitude individual é determinante, lembrando que “cuidar de si é cuidar de todos”. 

Cuide dos seus pulmões.

Sara Freitas
(Médica, Pneumologista)

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